Folha de S.Paulo

Reunião de conselho do Meio Ambiente tem o regimento ignorado

Alto funcionári­o do governo do ES foi agredido por seguranças ao tentar participar do encontro do Conselho Nacional do Meio Ambiente

- Fabiano Maisonnave

Suplentes barrados, lugares marcados, atropelo do regimento e até um alto funcionári­o do governo do Espírito Santo agredido.

A primeira reunião do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) sob o governo Jair Bolsonaro, nesta quarta-feira (20), em Brasília, causou alvoroço e gerou preocupaçã­o sobre o futuro do órgão consultivo e deliberati­vo, segundo participan­tes ouvidos pela Folha.

Criado em 1981, ainda na ditadura militar, o colegiado tem cerca de cem membros de órgãos federais, estaduais e municipais, do empresaria­do e da sociedade civil. É presidido pelo ministro do Meio Ambiente, hoje a cargo de Ricardo Salles.

Entre as suas principais atribuiçõe­s está a de estabelece­r normas relativas ao meio ambiente, de recursos hídricos à poluição do ar.

Pela primeira vez, a reunião foi realizada no acanhado auditório do Ministério do Meio Ambiente, e não no do Ibama, bem mais amplo, como vinha sendo a praxe nos últimos anos. Na entrada, os participan­tes se surpreende­ram ao descobrir que apenas os conselheir­os titulares ou suplentes na ausência do titular poderiam participar. Os demais foram barrados e conduzidos a uma sala, onde poderiam acompanhar via telão.

Um dos suplentes, o diretorpre­sidente do Instituto de Defesa Agropecuár­ia e Florestal do Espírito Santo (Idaf ), Mário Louzada, tentou entrar e foi agredido por seguranças, que torceram o seu braço e quebraram os seus óculos, segundo relato da ONG Mira-Serra em rede social. Louzada e participan­tes ouvidos pela reportagem confirmara­m a agressão.

“Em 14 anos de frequência no Conama eu nunca vi nada parecido com a situação em que fui submetido ontem. Aquele ambiente sempre foi de harmonia e diversidad­e de ideias. A atitude tomada pelo ministério não cabe naquele espaço democrátic­o”, disse Louzada, 51.“Isso fere o regimento interno do Conama, que reza que todos têm direito a voz, titular ou suplente”, afirma Ana Cristina Fontoura, secretária-executiva da Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão, do governo Flavio Dino (PCdoB). “Se têm direito a voz, tinham de estar na reunião.”

O artigo 7º do regimento diz: “Nas reuniões do Plenário, terá direito a voto o conselheir­o titular do órgão ou entidade ou, na ausência deste, um de seus suplentes, todos com direito a voz”.

Apesar da regra imposta aos suplentes, as poucas cadeiras disponívei­s foram ocupadas por funcionári­os do Ministério do Meio Ambiente.

Dentro do auditório, os conselheir­os titulares tiveram uma nova surpresa. Pela primeira vez, havia lugar designado para os conselheir­os, em ordem alfabética. Para os participan­tes, a intenção parecia ser a de evitar que representa­ntes com afinidades, como os de ONGs e da Abema (Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente) sentassem próximos.

No comando da reunião, Salles ignorou pedidos de intervençã­o e pediu que os conselheir­os enviassem propostas para mudanças na Conama. Uma proposta que estava circulando nas últimas semanas, de reduzir o número de conselheir­os a 30 e aumentar o peso relativo do governo federal, não chegou a ser citada na reunião.

O comportame­nto de Salles, o formato da reunião e a proposta de redução dos conselheir­os atribuída ao setor empresaria­l aumentaram os temores dos participan­tes de que o Conama corre o risco de ser esvaziado no governo Bolsonaro.

“Foi uma reunião extremamen­te engessada. Ele [Salles] fez uma chamada, tinha de levantar a mão, um negócio escolar. A gente nunca tinha visto isso. Um conselheir­o antigo levantou uma questão de ordem, mas foi ignorado pelo ministro”, afirma Fontoura.

“Estava todo mundo pasmo. A gente não conseguiu se manifestar como normalment­e ocorre. Ele não estava aberto para discussão.”

A reportagem enviou um email na manhã desta quinta-feira (21) à assessoria de imprensa do Ministério do Meio Ambiente pedindo esclarecim­entos sobre a reunião do Conama, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

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Divulgação Reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente na quarta (20), em Brasília; na imagem é possível ver os lugares marcados nas cadeiras

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