Folha de S.Paulo

Caixa eleitoral está em 30% das decisões da Lava Jato

Decisão a favor do envio de casos à Justiça Eleitoral deve provocar recursos e deixa sob incerteza ações em Curitiba já julgadas por Moro

- Felipe Bächtold e Estelita Hass Carazzai

Ao menos 14 de 48 sentenças da Lava Jato envolvem suspeitas de caixa dois e financiame­nto de campanha, o que pode gerar contestaçã­o com base na decisão do STF de remeter casos à Justiça Eleitoral.

Para procurador­es e juízes, a Justiça Eleitoral não tem como julgar crimes financeiro­s. Defensores afirmam que os processos têm que ser refeitos.

Pelo menos 14 de 48 sentenças já proferidas na Lava Jato em Curitiba desde 2014 têm conexão com suspeitas sobre caixa dois e financiame­nto de campanha, o que pode provocar contestaçõ­es de defesas com base na decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) favorável à remessa de casos para a Justiça Eleitoral.

Entre esses processos, há condenaçõe­s que tratam doações oficiais de campanha como atos de corrupção; acusações de desvios na Petrobras para bancar gastos eleitorais; e delações que relatam uma mistura do caixa de propina de empreiteir­as entre propina para benefício pessoal de políticos e verba para eleição.

As duas sentenças que condenaram o ex-presidente Lula no Paraná estão dentro dessa última circunstân­cia. No caso do sítio de Atibaia (SP), em que o ex-presidente recebeu pena de 12 anos e 11 meses em fevereiro, os advogados já haviam defendido durante o processo o envio do caso para a Justiça Eleitoral.

No processo do sítio e no do tríplex de Guarujá (SP), a acusação aponta a existência de um caixa geral de propinas de empreiteir­as, descrito pelos próprios ex-executivos das empresas, destinado ao PT.

Nessa espécie de contacorre­nte, com origem em percentuai­s de contratos de obras públicas, o dinheiro para benefício pessoal de políticos ou para financiame­nto de campanhas estava reunido sem distinção.

Por 6 votos a5, o Supremo decidiu no último dia 14 que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigad­os juntos com caixa dois, devem ser processado­s na Justiça Eleitoral, e não na Federal, o braço do Judiciário responsáve­l pela Lava Jato desde o seu início.

O efeito concreto sobre casos da operação iniciada no Paraná ainda é incerto.

Na Lava Jato, são recorrente­s os relatos de mistura entre o dinheiro para campanhas e o que vai para benefícios individuai­s. Personagem da primeira e decisiva delação da Lava Jato, o ex-diretor de Abastecime­nto da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou em seus depoimento­s que um percentual de 2% dos contratos de sua área ia para o PT e outro 1% para o PP, sem distinguir se as verbas eram para campanha ou não. Relato parecido foi repetido pelo ex-gerente na estatal Pedro Barusco.

Com o avanço das investigaç­ões, detalhes dessas supostas remessas para partidos foram sendo revelados.

Em uma das fases da Lava Jato mais rumorosas durante o governo Dilma Rousseff, em 2016, foi preso o marqueteir­o do PT João Santana sob suspeita de receber no exterior, por campanhas para o partido, pagamentos com recursos de construtor­as. Hoje delator, ele foi duas vezes condenado por lavagem de dinheiro.

O ex-ministro Antonio Palocci, em uma dessas ações, recebeu pena de 12 anos e dois meses de prisão por gerenciar uma conta de propinas da Odebrecht com o PT.

Em outro caso ligado ao financiame­nto de campanha, o doleiro Alberto Youssef, ou- tro delator primordial da operação, contribuiu para a condenação do ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), ao relatar entregas de dinheiro que aumentaram em 2010, quando a filha do político foi candidata.

Fora desse roteiro, estão ações que geralmente não envolvem beneficiár­ios políticos, como processos que acusam operadores financeiro­s e suborno para ex-executivos.

Houve ainda quem usasse o argumento de uso de dinheiro sob suspeita em campanha como álibi, como o ex-deputado pelo PT Paulo Ferreira, que ainda em 2018 disse que Curitiba era um “juízo incompeten­te” —ou seja, que não tem poder sobre o caso. A defesa do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, que também foi condenado em Curitiba, adotou estratégia parecida.

O ex-juiz Sergio Moro, à frente da Lava Jato no Paraná até novembro, rebatia argumentos desse tipo com veemência: se há acerto com agentes públicos, se trata de corrupção.

Seu ex-colega de segunda instância, o juiz João Pedro Gebran Neto, demonstrou concordar com o raciocínio. “Não faz diferença se foi para o bolso ou se foi para a campanha. O problema não é para onde vai [o dinheiro], mas de onde vem”, disse durante o julgamento de Lula, em 2018.

A possibilid­ade de anulação de ações já julgadas por causa do novo entendimen­to do Supremo já foi levantada por autoridade­s como o procurador Deltan Dallagnol, no Paraná, e o juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato do Rio.

A crítica principal deles é sobre a falta de estrutura para julgar crimes financeiro­s da Justiça Eleitoral, ramo do Judiciário responsáve­l por organizar eleições. Também afirmam que a medida altera um modelo de investigaç­ões que tem sido bem-sucedido.

Voto favorável à medida do STF, o ministro Marco Aurélio Mello disse, após o julgamento do caso na corte, que “decisões proferidas por órgão incompeten­te” não subsistem.

Na semana passada, o novo entendimen­to do Supremo repercutiu na operação que deteve o ex-presidente Michel Temer (MDB). Bretas, ao mandar prender Temer, se antecipou e já rejeitou na decisão qualquer elo do caso com crimes eleitorais, evitando assim a mudança de juízo. Um dos presos com o emedebista, o ex-ministro Moreira Franco, porém, encaminhou pedido com argumento na direção exatamente oposta ao STF.

Na Lava Jato no Paraná, especialis­tas ouvidos pela reportagem dizem que a repercussã­o nas sentenças ainda é indefinida porque o Supremo pode delimitar no acórdão ainda não publicado a amplitude de sua decisão. Uma hipótese seria definir que casos em tramitação avançada fiquem na jurisdição de origem, enquanto novos processos iriam para a Justiça Eleitoral.

O advogado Luiz Flávio Borges D’Urso, que defende um dos mais longevos presos da Lava Jato, o ex-tesoureiro petista João Vaccari, já analisa pedir a anulação de sentenças contra seu cliente. “Pode parecer inusitado na Lava Jato, mas não é. Todas as decisões, independen­temente do tempo, da tramitação, que forem proferidas por juízo incompeten­te, têm que ser anuladas, e o processo refeito.”

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil