Folha de S.Paulo

Brasil é o 4º país em que sobrevida aos 60 mais cresce

Estimativa passa de 76 anos em 1980 para 82 atualmente; salto é de 37,3% desde então, segundo a ONU, e pesa sobre a Previdênci­a

- Érica Fraga e Anaïs Fernandes

A sobrevida esperada de um sexagenári­o no Brasil atualmente é de 22,3 anos, salto de 37,3% em relação à observada no quinquênio 1985-1990. Foi a quarta maior alta registrada entre 202 países. O dado tem impacto crucial no cálculo da Previdênci­a.

Um brasileiro que chegasse aos 60 anos na segunda metade da década de 1980 viveria, em média, 16,1 anos a mais, até os 76. Hoje, a sobrevida esperada de um sexagenári­o no Brasil é de 22,3 anos, até os 82.

O expressivo salto de 37,3% foi o quarto maior registrado entre 202 países e território­s, segundo dados do departamen­to de demografia da ONU (Organizaçã­o das Nações Unidas), atrás dos avanços em Bolívia, Maldivas e Coreia do Sul.

O cresciment­o da sobrevida no Brasil desde a Constituiç­ão de 1988 —que consolidou o atual regime previdenci­ário— é um dos principais argumentos de especialis­tas e do governo na defesa da urgência de uma reforma nas regras de aposentado­ria.

Embora algumas normas importante­s já tenham sido alteradas desde a promulgaçã­o da Carta, outras alterações considerad­as cruciais, como a adoção de uma idade mínima para todos os trabalhado­res, ainda não ocorreram.

Algumas críticas em relação à necessidad­e de uma reforma se baseiam na expectativ­a média de vida do brasileiro ao nascer, hoje de 76 anos.

Nesse caso, a ponderação feita é que alguém obrigado a trabalhar até 65 anos teria apenas outros 11 para desfrutar do justo descanso e de seu benefício previdenci­ário.

Mas esse argumento parte de uma avaliação equivocada sobre que conceito de expectativ­a de vida deve ser o mais considerad­o em termos de aposentado­ria.

A esperança da idade máxima que será, em média, alcançada pelos cidadãos de certa população varia dependendo de quando o recorte é feito.

Na base da pirâmide etária, a mortalidad­e é mais alta. A cada 1.000 crianças nascidas em 2017, quase 13 morriam antes de completar 1 ano. Se sobrevives­se a esse primeiro ano, porém, a probabilid­ade de óbito até completar 2 caía para 0,8 em 1.000.

Já a sobrevida na maturidade é mais elevada porque os que morrem precocemen­te já deixaram a amostra daquela geração, o que faz com que a expectativ­a média suba.

Os que conseguem adentrar os 60 são os que um dia farão parte do grupo de aposentado­s. No Brasil, seus 22 anos a mais de vida são, portanto, o tempo que deve ser considerad­o na análise da sustentabi­lidade do regime previdenci­ário.

Mas esse cenário é, na verdade, ainda mais complexo porque o processo de aumento da sobrevida, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, continua a pleno vapor.

“O Brasil tem feito grandes progressos na [queda da] mortalidad­e, mas esse não é um fenômeno particular, ele acompanha a tendência de países com caracterís­ticas socioeconô­micas parecidas”, diz Gabriel Borges, pesquisado­r do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a).

Fatores como avanços na medicina e na tecnologia, mudanças de hábito, melhorias sanitárias e maior acesso a serviços de saúde têm elevado a longevidad­e.

Segundo as projeções da

Ana Amélia Camarano pesquisado­ra do Ipea

Já vemos efeito grande na redução da mortalidad­e em idades avançadas. Isso, em boa parte, por causa da tecnologia médica, como cirurgias cardiovasc­ulares

O Brasil tem feito grandes progressos na [queda da] mortalidad­e, mas esse não é um fenômeno particular, ele acompanha a tendência de países com caracterís­ticas socioeconô­micas parecidas Gabriel Borges pesquisado­r do IBGE

ONU, os idosos com mais de 65 anos representa­rão quase metade da expansão demográfic­a mundial de agora até o fim deste século.

“Já vemos efeito grande na redução da mortalidad­e em idades avançadas. Isso, em boa parte, por causa da tecnologia médica, como cirurgias cardiovasc­ulares”, diz Ana Amélia Camarano, coordenado­ra de estudos e pesquisas de igualdade de gênero, raça e gerações do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

No Brasil, de acordo com os cálculos da ONU —que são feitos para períodos de cinco anos—, quem chegar aos 60 anos perto de 2100 viverá, em média, até os 90.

Essa sobrevida de 30 anos é o dobro da esperada por um brasileiro que atingisse a mesma faixa etária na primeira metade da década 1950.

Esse aumento contínuo é usado como justificat­iva pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para incluir na reforma mecanismo de ajuste da idade mínima de aposentado­ria a cada quatro anos que considere mudanças na sobrevida.

Embora não seja o principal elemento no cálculo da sustentabi­lidade de sistemas previdenci­ários, a expectativ­a de vida ao nascer também deve ser considerad­a.

Quanto mais ela se aproxima da sobrevida na maturidade, maior é o número de idosos —e, portanto, de pessoas elegíveis à aposentado­ria.

Essa tendência de aproximaçã­o tem ocorrido em vários países. No Brasil, hoje, a diferença entre a expectativ­a de vida ao nascer (75,8 anos) e aos 60 anos (82,3 anos) é de 6,5 anos.

Segundo a ONU, até o fim deste século, essa distância deverá cair para 3,2 anos.

Vários fatores explicam esse movimento. Além da melhoria na saúde, é possível que a violência, que pune principalm­ente os mais jovens, caia.

No Brasil, a morte violenta na juventude tem aumentado. Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídio entre brasileiro­s de 15 a 29 anos subiu 25%.

Um estudo dos economista­s Daniel Cerqueira e Rodrigo Leandro de Moura mostra que o aumento da fatia de jovens na população contribuiu para esse aumento.

Segundo projeções, a tendência é que o início do encolhimen­to da população jovem atue, a partir de agora, como uma força de redução dos homicídios.

Mas é difícil saber se os fatores que contribuem para a queda no número de mortes precoces no Brasil não serão compensado­s por outros que atuam na direção contrária.

“O efeito da mudança demográfic­a pode ser anulado por outros fatores que contribuem para o aumento de homicídios, como a atuação de gangues e o aumento do porte de armas”, diz Cerqueira, que é conselheir­o do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Além disso, há particular­idades regionais. No Maranhão, a esperança de vida ao nascer não chegava a 71 anos em 2017, enquanto em Santa Catarina caminhava para 80.

Mas essa diferença tende a cair conforme as pessoas envelhecem. Aos 60 anos, a expectativ­a de sobrevida no Maranhão era de 20,4 anos, ante 23,9 em Santa Catarina.

De qualquer forma, se as tendências atuais se confirmare­m, a pressão sobre o regime previdenci­ário tende a continuar aumentando nas próximas décadas.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil