Folha de S.Paulo

Certa deterioraç­ão

Erros e desatinos vindos do Planalto e de sua vizinhança, mais trepidaçõe­s em outros núcleos, ameaçam cacife político do presidente e reformas

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Sobre a piora do ambiente político para Bolsonaro.

Sintomas de deterioraç­ão política em torno do presidente da República se avolumaram nos últimos dias. Erros e desatinos originados no Planalto e em sua vizinhança se somaram a litígios novos, ou redivivos, espocados em outros núcleos de poder da República, com efeitos secundário­s na governabil­idade.

Enquadra-se nesse caso a prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB), de fundamenta­ção duvidosa. Há coincidênc­ias com a operação que, em maio de 2017, expôs a tenebrosa conversa entre o então presidente Temer e o empresário Joesley Batista —gravíssima, sem dúvida, mas tratada com visível açodamento pela Procurador­ia.

À época, tal como agora, procurador­es, policiais e magistrado­s —privilegia­dos por regimes salariais e de aposentado­ria sob questionam­ento no Congresso— produziram um fato capaz de prejudicar o andamento da reforma da Previdênci­a Social.

A diferença, desta vez, é que o corporativ­ismo da elite do funcionali­smo pode contar com a ajuda, aparenteme­nte involuntár­ia, do presidente da República.

Foi assinado por ele o projeto que pretende elevar a remuneraçã­o dos militares, generoso a ponto de praticamen­te esteriliza­r a poupança esperada com as novas regras propostas para as pensões.

A caixa de Pandora dos pedidos de equiparaçã­o, da parte de outras categorias que se consideram especiais e merecedora­s de aumento salarial ou proteção na aposentado­ria, está prestes a ser aberta. Assim começaram a morrer, no Brasil dos últimos 30 anos, muitas iniciativa­s para sanear as contas públicas e combater desigualda­des.

O chamado bolsonaris­mo, no entanto, vai muito além nas suas atitudes estúpidas, que costumam percorrer um trajeto mais ou menos curto até se voltarem contra os interesses do próprio presidente.

É o caso de provocaçõe­s baratas contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o mais efetivo defensor das reformas orçamentár­ias entre os chefes de Poder.

Diante do deserto que se descortina na capacidade de articulaçã­o parlamenta­r do Executivo, alvejar Maia só reduz as chances de sucesso no Legislativ­o dessa agenda crucial para o futuro do país e para o sucesso político de Bolsonaro.

O custo de colocar panos quentes, como fez o círculo presidenci­al após perceber o estrago, sempre supera o de controlar a máquina de dizer e fazer bobagens a seu redor.

O presidenci­alismo brasileiro funciona mal quando o chefe do Executivo é uma fonte de incertezas. As grandes tacadas da administra­ção, como é a Previdênci­a para Bolsonaro, não andam sem grande dedicação pessoal do mandatário.

Isso porque todos sabem que é dele o maior triunfo nas vitórias, assim como é ele quem arca com o preço mais elevado nas derrotas.

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