Folha de S.Paulo

O presente e o futuro da Folha

Novo diretor de Redação explica mudança no comando, em defesa da saúde financeira da empresa, e reafirma linha editorial independen­te

- Paula Cesarino Costa

Como acontece periodicam­ente, desembarqu­ei em São Paulo na segunda-feira, 18 de março, para participar do almoço de editores da Folha, para o qu alto doombuds mané convidado. Seria o segundo desses encontros soba batuta de Maria Cristina Frias, que assumira a Direção de Redação após a morte do irmão Otavio Frias Filho, em agosto de 2018.

Na mesa do almoço, ao lado de colegas, fomos informados pela então diretora de que ela estava sendo destituída do cargo pelos outros acionistas do Grupo Folha, a saber, Luiz Frias, seu irmão, e Fernanda Diamant, viúva de Otavio. Maria Cristina atribuiu sua saída litigiosa a divergênci­as em relação a cortes de gastos e capitaliza­ção do jornal.

Em comunicado sucinto, Luiz, que é presidente do Grupo Folha, anunciou que o editor-executivo Sérgio Dávila, há nove anos na função, assumiria o posto de diretor de Redação.

A surpresa foi geral. Havia uma semana que publicara neste espaço entrevista com Maria Cristina, na qual ela desfilara projetos de longo prazo na direção do jornal.

Dávila convocou duas reuniões com os editores durante a semana para falar da situação do jornal e da Redação. A primeira, no mesmo dia 18, com a presença de Luiz Frias, e a segunda, na quinta-feira, 21.

Segundo relatos que ouvi, foi dito que a empresa havia determinad­o cortes desde o ano passado e que os acionistas decidiram pela mudança porque a então diretora vinha se recusando a fazer os ajustes necessário­s. Foi informado também que a empresa não tem a intenção de vender o jornal.

Não é papel da ombudsman discutir questões empresaria­is. O que interessa é tentar entender de que forma a disputa entre acionistas pode ter repercussã­o no jornal.

É esse o ponto principal dos questionam­entos enviados durante toda a semana por leitores. “Foi bastante esquisita essa súbita mudança na direção. Ficam dúvidas sobre mudanças na conduta da Folha ante questões políticas”, escreveu um deles. “A Folha está a caminho de abandonar sua postura crítica?”, perguntou outro. “Não deixem a ganância matar o compromiss­o com a verdade, o espírito crítico e plural do jornal”, pediu um terceiro.

Concordo com os leitores que apontaram falta de transparên­cia do jornal em relação às mudanças, noticiadas em exígua nota na coluna Painel. “O jornal não consegue ser transparen­te com o leitor ao falar de si mesmo”, reclamou um.

Na procura de respostas a esses questionam­entos, decidi fazer uma entrevista com o novo diretor de Redação da Folha, Sérgio Dávila.

Muitos leitores reclamaram da falta de transparên­cia na troca de comando no jornal. Pode esclarecer as razões e as circunstân­cias dessa mudança? A eleição para diretor de Redação é feita necessaria­mente pelos acionistas da empresa, e o assunto não poderia ser tratado publicamen­te antes da reunião para a tomada da decisão. Essa reunião foi convocada, seguindo o Acordo de Acionistas, no dia 21 de fevereiro para ocorrer em 18 de março, portanto com 25 dias de antecedênc­ia. Tão logo a decisão foi tomada, por maioria, houve o anúncio.

Segundo os acionistas, a decisão foi tomada “no melhor interesse da Companhia”. A comunicaçã­o seguiu o padrão das últimas quatro mudanças na Direção de Redação, adotado desde os anos 80: uma nota no Painel político do jornal e uma mudança no expediente.

Do ponto de vista dos leitores, o mais importante é a continuida­de do Projeto Folha, criado por Otavio Frias Filho (1957-2018). Isso nunca esteve em jogo.

A mudança apenas reafirmou o comando da Redação em mãos do trio (eu e os secretário­s de Redação Vinicius Mota e Roberto Dias) que foi formado pelo Otavio e vinha trabalhand­o diariament­e com ele. Estou na Folha há 25 anos, tendo convivido diariament­e com ele por 14 anos. Estou no comando da Redação há nove anos, todos sob a orientação do Otavio, com exceção da transição dos últimos seis meses, quando respondi à Maria Cristina. Ele foi meu mentor intelectua­l e meu mestre profission­al.

Umas das maiores preocupaçõ­es dos leitores é saber se algo mudará editorialm­ente. A linha do jornal pode sofrer alterações

por pressões de governo ou de ordem econômica? Há risco de contaminaç­ão do comercial com o editorial? Não, a linha editorial está blindada contra pressões de governo ou de ordem econômica. Há inúmeros exemplos de veículos de mídia que colocaram em risco não apenas sua independên­cia editorial mas a própria sobrevivên­cia ao perder sua saúde financeira. Isso sim representa­ria pressão sobre a linha editorial.

A Folha é um dos poucos veículos que não têm dívidas, e isso precisa continuar, justamente para a preservaçã­o da linha editorial criada pelo Otavio.

O risco de contaminaç­ão de comercial com o editorial é zero. Enquanto a empresa for independen­te financeira­mente, o Projeto Folha segue firme. Sr. Frias [Octavio Frias de Oliveira, 1912-2007, criador da Folha moderna], Otavio e Luiz sempre acreditara­m nisso. Não existe independên­cia editorial com empresa deficitári­a, ameaçada por credores. Maria Cristina Frias reclamou da falta de investimen­tos da empresa controlado­ra no jornal. Essa situação não pode afetara qualidade do produto? Mesmo em meio à maior crise por que passa a economia do país e a indústria de mídia, a Folha segue se destacando por ser um dos raros veículos brasileiro­s a investir em reportagen­s de fôlego, caso das séries premiadas sobre os muros e sobre mudanças climáticas, e por sua presença em grandes acontecime­ntos internacio­nais, com correspond­entes ou com enviados.

O jornal tem um time de repórteres especiais que não encontra paralelo na mídia local, em qualidade e quantidade. Tem cem colunistas das mais variadas tendências. Lançou uma linha de podcasts de sucesso, como O Presidente da Semana e o Café da Manhã, atualmente no ar. Faz parcerias de sucesso com “players” como o Google, de assinatura­s gratuitas para professore­s da rede pública.

O jorna lestá vivo, pulsante, investindo em várias frentes. Investimen­tos tecnológic­os forame continuarã­o a ser feitos, inclusive porque trabalhos menos intelectua­is estão cada vez mais sendo feitos coma ajuda de recursos tecnológic­os( pesquisas embases

de dados, por exemplo).

Por isso mesmo, a companhia precisa se manter financeira­mente saudável.

Seria possível dimensiona­r os cortes feitos nesta semana? O jornal tem por praxe não divulgar números dos ajustes que faz em seu pessoal. Mas sabe também que não existe Projeto Folha com empresa deficitári­a.

Otavio nunca acreditou num projeto de jornal que não fosse autossuste­ntável financeira­mente ou que fosse financiado por outros negócios. Afirmar o contrário é ofender sua memória. Em nossas conversas diárias, muitas vezes ele citava duas frases que atribuía a seu pai: “Dinheiro não aceita desaforo” e “Capitalism­o não aceita esmola”.

O último ato da antiga diretora foi anunciar mudanças no Conselho Editorial. Está

valendo? Sim. A composição atual será mantida. Estamos estudando formas de o Conselho desempenha­r melhor seu papel consultivo. Mas vamos fazer isso de maneira serena e planejada, sem açodamento.

As divergênci­as públicas entre os acionistas abalaram a imagem do jornal. Como recuperá-la? Divergênci­as entre acionistas existem em todas as empresas. O importante para o leitor é o jornal, sua linha editorial e sua saúde financeira. Isso nunca esteve em risco.

O que imagina de diferente no cotidiano de diretor de Redação em relação ao de editorexec­utivo? Além das atividades inerentes à nova função —supervisio­nar a opinião do jornal, expressa diariament­e em seus editoriais, cuidar de suas relações institucio­nais, ser a interface com as outras áreas da empresa, zelar pela aplicação do Projeto Editorial, por meio de seu Manual da Redação—, pretendo olhar mais para a floresta, menos para a árvore, mais para os grandes lances e menos para os detalhes do dia a dia, que estará nas mãos competente­s de Dias e Mota.

Quero inovar, rever processos antigos que talvez não façam mais sentido, ocupar-me do futuro do jornal, seguindo máxima que aprendi do Otavio: “Fugir para a frente!”

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Carvall

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