Folha de S.Paulo

Está no ar a barafunda Bolsonaro

Governo enriquece Lei de Murphy: se algo pode dar certo, trabalha para que dê errado

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Jair Bolsonaro superou as marcas de impopulari­dade de seus antecessor­es no início do primeiro mandato. Com viés de piora, esse desempenho devese em parte a um processo de autocombus­tão, mas nem tudo pode ser atribuído a Bolsonaro. Ele teve a ajuda de ministros civis e militares.

Resolveram fazer uma reforma da Previdênci­a. Poderiam ter seguido a sugestão do economista Paulo Tafner, fatiando-a. Mandariam primeiro o corte dos privilégio­s dos marajás e depois cuidariam dos miseráveis. Resolveram juntar as duas brigas. Vá lá.

É elementar que a profissão e a Previdênci­a dos militares nada têm a ver com as dos servidores civis. Poderiam ter separado as duas questões. Não só juntaram os debates, como decidiram botar no combo um projeto de reestrutur­ação da carreira militar, coisa que não tem nada a ver com a Previdênci­a.

Todas essas decisões embaralham o debate e dificultam a aprovação de algo parecido com o projeto original do governo. Como alguma reforma haverá de ser aprovada sempre se poderá cantar vitória. Afinal, Fernando Henrique Cardoso e Lula também fizeram reformas da Previdênci­a. Nenhum deles atritou-se com o presidente da Câmara.

A barafunda vai além da reforma. O ministro Sergio Moro resolveu peitar Rodrigo Maia com mais uma de suas jeremíadas. Tomou um tranco e ficou em paz. Durante a visita de Bolsonaro a Washington, o ministro das Relações Exteriores foi humilhado, um filho do presidente disse que os brasileiro­s que vivem nos Estados Unidos sem documentaç­ão são “vergonha nossa” e o condestáve­l da Economia informou que gosta de Coca-Cola e da Disneylând­ia. (Quem passava dias sozinho na Disney era o professor Mário Henrique Simonsen, mas ele nunca anunciou isso a uma plateia de empresário­s.)

Se tudo isso fosse pouco, Bolsonaro disse na Casa Branca que acredita “piamente” na reeleição de Donald Trump. Sentiu cheiro de banana e foi procurar a casca para escorregar. Os dois presidente­s que mais ajudaram a ditadura brasileira foram Lyndon Johnson e Richard Nixon. Um encantouse com o marechal Costa e Silva, o outro com Emilio Médici. Ambos foram eleitos com memoráveis maiorias e acabaram naufragand­o. Amaldiçoad­o, Johnson desistiu da reeleição. Acuado, Nixon renunciou. Os presidente­s brasileiro­s não disseram coisa parecida. Trump nunca teve a força de qualquer um desses antecessor­es.

A Lei de Murphy diz que, se uma coisa pode dar errado, errado ela dará. O governo do capitão parece disposto a enriquecê-la: Se uma coisa pode dar certo, trabalham para que dê errado.

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Juliana Freire

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