Bancada feminina tenta isolar PSL na Câmara
Deputada do DEM costura acordo com partidos de esquerda e do centrão para coordenar grupo de 77 parlamentares
Direita, esquerda e centrão negociam um bloco para a eleição do comando da bancada feminina na Câmara, isolando o PSL.
A deputada Professora Dorinha (DEM-TO) costura um acordo que vai do PSOL ao PP, enquanto Aline Sleutjes (PSLPR) mantém disposição em ir até o fim na disputa. A eleição não tem data marcada, mas deve acontecer entre o fim de março e o início de abril.
A bancada feminina é temática e, portanto, possui poder mais simbólico do que prático. Mas, com 77 deputadas, é a maior da história, em um momento em que a discussão sobre igualdade de gênero se aprofundou no país.
Nas últimas semanas, com a prisão de dois suspeitos de matarem a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) em março de 2018, o tema dominou os debates entre as deputadas e evidenciou diferenças.
Congressistas do PSL argumentam que a ativista não pode ter importância maior do que outras mulheres vítimas de violência. O discurso não é acompanhado por deputadas de direita como Dorinha, que, por isso, consegue agregar apoio da esquerda.
“Não foi uma morte, foi um assassinato. Todas as punições precisam ser realizadas”, disse a deputada do DEM. “Por bandeira política, não podemos ser permissivos a ponto de relativizar. É grave, é gravíssimo.”
Sua adversária na disputa da bancada manifesta posição diferente. “Nós temos N nomes que precisávamos lembrar em relação à violência contra a mulher, à discriminação, à dificuldade social. Não cabe só à Marielle esse título”, afirmou Sleutjes. “Homenagear apenas uma pessoa talvez seja um erro com as demais.”
O comando da bancada é exercido por uma coordenadora e três adjuntas. O segundo cargo em disputa é o de procuradora, que tem também três adjuntas.
A proporcionalidade dos blocos formados na Câmara para a eleição da Mesa Diretora, em fevereiro, vale para a disputa feminina. Assim, o bloco do qual PSL e DEM fazem parte teria direito aos principais cargos. O grupo de Dorinha sinaliza disposição em distribuir as posições secundárias a deputadas de esquerda.
“Na minha avaliação, o atual governo traz retrocessos em muitas áreas. Por isso a gente busca uma articulação ampla para que as mulheres não sofram tanto”, disse Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
“Ainda não tive nenhuma conversa com o PSL, mas com
Professora Dorinha (DEM-TO) deputada federal, sobre o assassinato de Marielle Franco
todos os outros partidos, sim, PT, PSOL, PC do B”, disse a deputada Iracema Portella (PPPI), que apoia Dorinha.
Carla Zambelli (PSL-SP) defendeu que o partido ocupe as duas posições principais. Argumentou que suas correligionárias “vão pensar em todas as mulheres independentemente da posição ideológica”, o que, na visão dela, não ocorre do outro lado.
“Tem algumas coisas que a gente tem que parar de pensar se é esquerda ou é direita. Tem que colocar em discussão o pacote anticrime, que vai acabar com muitos dos crimes contra mulheres e contra homens, que também sofrem”, afirmou.
“Tem outras medidas que podem ajudar, por exemplo, o porte de arma para mulheres. Gostaria que a Marielle pudesse estar armada, independente de ela ser da esquerda, não tem problema, é uma vida”, afirmou. Ideias sobre machismo e feminismo, cotas para mulheres e descriminalização do aborto despertam acalorados debates.
“Avançaremos quando nos tratarmos como iguais, não como minorias, frágeis e vítimas da sociedade”, discursou Sleutjes na quarta-feira (13), em um evento da Secretaria da Mulher. “Se nós somos contra o machismo, porque somos a favor do feminismo?”
Fernanda Melchionna (PSOL-RS) discordou. “O feminismo não é o contrário do machismo. O feminismo é a negação do machismo. Não lutamos para que os homens ganhem menos que nós ou que sejam vítimas de violência. Lutamos por igualdade.”
A participação institucional das mulheres na Câmara se firmou na Assembleia Constituinte. Com o chamado Lobby do Batom, as 25 constituintes de um total de 559 conseguiram coesão apesar das diferenças políticas. Algumas delas são a licença-maternidade de 120 dias, igualdade de direitos e de salários entre homem e mulher, e direito à posse de terra.
“A gente viu nascer isso, o Lobby do Batom funcionou”, afirmou a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que foi constituinte. “O que não faltou foi amizade, carinho, fraternidade nas diferenças e pensar coletivamente para que hoje eu pudesse estar aqui como uma dinossaura, assistindo a como isso cresceu”, emendou.
Se adversidades de 30 anos atrás, como a inexistência de banheiros femininos no plenário da Câmara, foram superadas, outras dificuldades se impuseram.
Deputadas relatam que levam cantadas até mesmo de colegas congressistas. Escutam elogios e convites nas circunstâncias mais inapropriadas. Contam também que são barradas frequentemente por seguranças da Casa.
“É um choque, porque é um ambiente ainda muito machista”, afirmou Flordelis (PSD-RJ). “Já fui barrada até por outra mulher. A gente sente um pouquinho, mas, vamos pensar, se eu tivesse do outro lado, faria a mesma coisa, porque meu chefe deve estar me observando”, disse.
Talíria Petrone (PSOL-RJ) reagiu de forma diferente. “Eu uso broche e vou às sessões, como todo parlamentar. É difícil pra eles entenderem, mas nós, mulheres pretas, somos tão deputadas quanto os outros. Não aceito esse tipo de tratamento”, afirmou.
Não foi uma morte, foi um assassinato. Todas as punições precisam ser realizadas. Por bandeira política, não podemos ser permissivos a ponto de relativizar. É grave, é gravíssimo