Folha de S.Paulo

Mundo precisa se adaptar à emergência chinesa como potência

- Tatiana Lacerda Prazeres Senior Fellow da Universida­de de Negócios Internacio­nais e Economia, em Pequim

A Belt and Road Initiative (BRI) se aproximou do coração da Europa dividindo opiniões. Eixo central da diplomacia econômica chinesa, a BRI gera atração e receio; entusiasmo e crítica.

Apesar de parâmetros pouco claros, fala-se de pelo menos US$ 1 trilhão em projetos de infraestru­tura incluindo energia, ferrovias, rodovias, portos e conexão digital, implementa­dos com financiame­nto chinês e em grande parte por empresas chinesas.

Países interessad­os em contar com recursos chineses para enfrentar gargalos de infraestru­tura dão as boas-vindas ao “projeto do século”, tal como chamado por Xi Jinping. Os que temem a ascensão da China veem a iniciativa como parte de uma estratégia geopolític­a para aumentar sua influência no mundo, e não apenas no campo econômico.

A verdade é que muitos hesitam entre essas duas visões, e a notícia do ingresso da Itália na BRI é um chamado à reflexão. Mesmo que a BRI já conte com mais de 100 parceiros, a Itália é o primeiro país do G7 a se juntar ao grupo.

À medida que a BRI se move em direção ao Ocidente e a economias maiores, os chineses redobram esforços para vencer resistênci­as, especialme­nte em tempos de nacionalis­mo econômico e de maior controle sobre o investimen­to estrangeir­o.

A tarefa da China será facilitada: 1) se houver mais transparên­cia em relação à BRI de forma geral e aos seus projetos específico­s; 2) se preocupaçõ­es trabalhist­as e ambientais forem incorporad­as aos projetos; 3) se houver processos sérios de diligência prévia em relação aos investimen­tos; 4) se houver processos licitatóri­os competitiv­os e transparen­tes, viabilizan­do a participaç­ão de empresas locais nos projetos e 5) se a sustentabi­lidade da dívida dos países parceiros for uma preocupaçã­o efetiva da BRI.

Os mais críticos da iniciativa falam da armadilha do endividame­nto como algo intrínseco à BRI —como se a China desejasse transforma­r os parceiros em devedores com o objetivo deliberado de exercer maior influência sobre eles. Paranoias à parte, a China precisa lidar com essas críticas para convencer países maiores.

Mas talvez a maior dificuldad­e que os chineses têm à frente seja a de lidar, especialme­nte fora de sua área de influência imediata, coma resistênci­a ao desconheci­do, como desconfort­o com o diferente e coma desconfian­ça em relação às intenções chinesas e ao modo de a China operar.

A realidade é que o mundo ainda estás eadaptando­à emergência da China como potência mundial, com opol o alternativ­o de poder. Es sepos sivelmente­éo principal desafio para as ambições globais da B RI.

Os objetivos da diplomacia econômica chinesa se assemelham aos das potências tradiciona­is, como EUA e União Europeia, em relação aos quais a resistênci­a costuma ser muito menor. Naturalmen­te, a China tem sua própria visão de mundo, tem sua maneira de atuar —o que não é ruim em si, masédis tinto e isso causa suspeição.

Apesar do rápido avanço da BRI, ainda está em curso a missão de convencer o mundo de que a iniciativa interessa efetivamen­te aos parceiros, e não apenas à China.

Para países que precisam de investimen­tos e que têm gargalos importante­s de infraestru­tura, seria um desperdíci­o não considerar seriamente o que a BRI tem a oferecer, levando em conta inclusive que outras opções eles teriam.

A propósito, os esforços americanos para conter a BRI apenas podem prosperar se forem acompanhad­os de uma alternativ­a concreta ao que a China oferece. Em vez de tomar partido na dinâmica conflituos­a China-EUA, vários países têm buscado aproveitar essa circunstân­cia em seu favor. A Europa está enfrentand­o este debate hoje. Amanhã, ele cruza o Atlântico de vez.

A maior dificuldad­e é lidar com a resistênci­a ao desconheci­do, o desconfort­o com o diferente e a desconfian­ça em relação às intenções chinesas

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