Folha de S.Paulo

‘Parece que o pau está comendo’

Ideólogo do bolsonaris­mo prega agitação, propaganda e democracia direta tuitada

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

“O poder no Brasil está em guerras”, se escrevia aqui, no domingo passado (17). “Parece que o pau está comendo”, disse na sexta-feira (22) o ministro Paulo Guedes (Economia), que fazia troça da semana de confrontos explícitos entre as turmas do poder.

Gente no centro do governo, porém, fazia teoria do conflito e da importânci­a da rebelião das massas para o sucesso do governo de Jair Bolsonaro.

Filipe Martins, assessor da intimidade presidenci­al, um ideólogo do bolsonaris­mo e de seu núcleo de agitação e propaganda, pregou no Twitter nove teses sobre a missão da “ala antiestabl­ishment” do governo: derrubar a “oligarquia” atiçando as massas, por meio de pressão popular direta, o que substituir­ia a “velha política”. Leia mais abaixo um resumo desse manifesto bolsonaris­ta, também um grito de guerra dentro e fora do governo.

Nesta semana, ficaram mais graves os atritos entre o Supremo e os procurador­es militantes; entre Congresso e Planalto. O líder lava-jatista, o ministro Sergio Moro (Justiça), chocou-se com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, por sua vez, abdicou do posto de articulado­r-geral parlamenta­r de Bolsonaro.

Maia estava sendo flagelado pelas falanges de Bolsonaro nas redes insociávei­s, caçado por ser um representa­nte da “velha política” e, em última análise, por tentar reunir uma coalizão parlamenta­r de apoio ao governo ou, pelo menos, à reforma da Previdênci­a.

Mas os remendos de coordenaçã­o política que havia se desmilingu­iram na semana passada.

Para piorar, no Chile, Bolsonaro dissera que a governabil­idade e acordos políticos baseados em divisão de poder (cargos) criam situações propícias à corrupção.

O presidente e o núcleo ideológico de seu governo estão afinados. Trata-se do grupo comandado por seus filhos Carlos e Eduardo, que puseram Filipe Martins no cargo de assessor de assuntos internacio­nais de Bolsonaro, todos eles muito ligados ao influencia­dor digital Olavo de Carvalho.

Essa “ala antiestabl­ishment do governo”, apelido dado pelo próprio Martins, disputa o comando do Itamaraty com os militares, procura dominar o Ministério da Educação e tentou controlar a Secretaria de Comunicaçã­o, que ocupa oficiosame­nte por meio de contas nas redes sociais. Acredita que o bolsonaris­mo é uma revolução nacional e popular; que seu instrument­o é a democracia direta tuitada.

“Há uma tentativa” de isolar e difamar a “ala antiestabl­ishment” do governo, tuitou Martins, na sexta-feira. O ataque a esse núcleo puro do bolsonaris­mo teria como objetivo “quebrar a mobilizaçã­o popular” que elegeu Bolsonaro e o dispensou da aliança com os “donos do poder”.

Esse movimento seria o combustíve­l do sucesso do governo, a “única forma” de fazer reformas liberais, aprovar o pacote anticrime e preservar a Lava Jato, argumenta Martins.

A mobilizaçã­o popular, por sua vez, depende da “agenda de ideias e valores da ala antiestabl­ishment do governo”. A cooperação com os oligarcas e a aceitação da velha política não seriam meios de “romper com o sistema patrimonia­lista que existe há 500 anos”.

É preciso, pois, que as diferentes alas do governo se organizem de modo a reforçar a pressão popular ao ponto de que os integrante­s do sistema político temam por sua sobrevivên­cia política. “É necessário, em suma, mostrar que o povo manda”, proclama Martins.

É um chamado para um levante virtual das falanges da ultradirei­ta.

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