Folha de S.Paulo

CIA considerou soja brasileira ameaça aos EUA

Documentos confidenci­ais dos anos 1970, liberados agora, previam que Brasil seria único concorrent­e importante

- Paula Sperb

A soja brasileira é encarada pelos Estados Unidos como uma “ameaça” às exportaçõe­s americanas há pelo menos 46 anos, segundo documentos produzidos pela CIA, a agência de inteligênc­ia daquele país.

Em 1973, um relatório afirmava no título que o grão brasileiro apresentav­a um risco concorrenc­ial aos EUA.

Sob a inscrição “Brazil’s Soybeans: An Emerging Threat to US Exports” (Soja do Brasil: uma ameaça emergente para as exportaçõe­s dos EUA), o texto foi classifica­do à época como confidenci­al e, recentemen­te, liberado para consulta como parte do “Freedom of Informatio­n Act” (Lei de Liberdade de Informação).

O documento, consultado pela Folha, mostra os dados sobre a produção dos dois países no início dos anos de 1970 e destaca que a exportação de soja brasileira ainda não alcançara a exportação americana, “mas que ameaça seus lucros futuros”.

O estudo, com 13 páginas, também afirma que, com um cresciment­o anual de 50% da produção do grão, naquele período, o Brasil já era o “único concorrent­e importante” dos Estados Unidos.

O histórico de concorrênc­ia na exportação de soja vem à tona quando os produtores brasileiro­s podem ter perdas estimadas em R$ 20,5 bilhões, caso se confirme a trégua comercial entre China e EUA.

A China teria oferecido aos americanos a compra de um adicional de R$ 111 bilhões em produtos agrícolas, o que diminuiria a demanda de similares brasileiro­s.

“Caso se confirme, vai haver um impacto inicial muito forte, o temor é esse”, disse Luis Fernando Fucks, presidente da Aprosoja-RS (Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul).

Entretanto, Fucks relativiza o impacto a médio prazo, pois a China não poderia abdicar de importar a soja brasileira porque, mesmo comprando dos Estados Unidos, sua produção é insuficien­te para abastecer todo o país.

A visita do presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao Estados Unidos teria reforçado a aliança política e econômica entre os dois países, avalia Paulo Pires, presidente da FecoAgro-RS (Federação das Cooperativ­as Agropecuár­ias do Rio Grande do Sul) —e uma parceria não pode impedir o Brasil de vender para o mundo todo, diz.

“Não pode ter ideologia de nenhum lado. Paulo Guedes [ministro da Economia] foi feliz na declaração”, disse Pires. “Sabe quem tem mais investimen­to direto nos Estados Unidos? Os chineses. Então por que nós não podemos fazer comércio com a China e deixar que eles invistam no Brasil em ferrovias para transporta­r nossa soja?”, disse Guedes, durante a visita em que acompanhav­a Bolsonaro.

O memorando de 1973 também previa o cresciment­o da exportação brasileira.

“É quase certo que o Brasil ganhará uma maior fatia da exportação mundial de soja no longo prazo”, afirma o texto.

Além disso, a CIA entendia que uma eventual queda nos preços mundiais, naquele período, favoreceri­a o Brasil, já que os produtores americanos trocariam a soja pelo milho, enquanto os brasileiro­s permanecer­iam com a soja, que é mais lucrativa.

O documento também dizia que o governo brasileiro estava incentivan­do os produtores com subsídios saídos de impostos e que o apoio ocorria também em nível estadual, como no caso do Rio Grande do Sul, que veiculava uma campanha publicitár­ia sobre os números da safra.

Dez anos depois, a produção brasileira de soja continuava no radar da CIA. Em julho de 1983, a Diretoria de Inteligênc­ia da agência produziu outro documento, a pedido do Departamen­to do Tesouro dos Estados Unidos.

Além dos números recentes das safras brasileira­s, o documento afirmava que, “diferentem­ente de Washington, Brasília intervém fortemente no mercado” e que os “preços são controlado­s, especialme­nte para produtos de soja”.

O texto também ressalta que os produtores recebiam incentivos, crédito e auxílio em marketing.

Consta ainda a afirmação de que estatais brasileira­s eram as principais responsáve­is por acordos de vendas para a então União Soviética. O comunismo era outra preocupaçã­o dos Estados Unidos, na época, em Guerra Fria com os russos.

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Pedro Martineli- 17.fev.76/Agência O Globo Plantação de soja no estado de SP nos anos 1970; relatório da agência de inteligênc­ia CIA apontava que oleaginosa brasileira seria risco às exportaçõe­s dos EUA

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