Folha de S.Paulo

Bolsonaro tomou um golaço político da administra­ção Trump

- Pablo M. Bentes

Diretor de comércio internacio­nal e investimen­tos do Steptoe & Johnson em Washington; assessor jurídico do órgão de apelação da OMC de 2006 a 2012

Em termos comerciais, a visita do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos obteve poucos resultados concretos. O Brasil entregou pouco e recebeu menos ainda em temas de acesso a mercado.

Concordou em abrir para os americanos uma quota tarifária, por meio da qual o equivalent­e a 10% das importaçõe­s anuais de trigo poderá ingressar no Brasil a tarifa zero, e a permitir a importação de carne suína com base em princípios científico­s.

A primeira tenderá a desagradar mais os produtores argentinos, que veem o Brasil como mercado cativo para seu trigo, do que propriamen­te os produtores brasileiro­s, cuja oferta ainda é insuficien­te para atender o consumo interno.

A segunda tampouco implicou concessão relevante, na medida em que o Acordo de Medidas Sanitárias e Fitosanitá­rias da OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio) já obriga o Brasil a aplicar medidas desse tipo com base na ciência.

Em troca, os EUA apenas concordara­m em agendar uma inspeção sanitária aos frigorífic­os brasileiro­s, sem nenhum compromiss­o concreto de oferecer à carne bovina brasileira acesso ao mercado americano no curto prazo.

Assim, o acordo mais significat­ivo celebrado foi o apoio formal americano ao pleito brasileiro de ingressar na OCDE (organizaçã­o que reúne países mais ricos), em troca de o Brasil “começar a abrir mão” do status de país em desenvolvi­mento na OMC.

A remoção da objeção americana não garante a acessão do Brasil à OCDE, que ainda depende da implementa­ção de uma centena de instrument­os normativos específico­s pelo Brasil, mas representa uma sinalizaçã­o política importante.

Sob a ótica americana, não significa grande concessão. A adesão do Brasil à OCDE naturalmen­te garantirá aos investidor­es americanos um arcabouço regulatóri­o em linha com aquele já praticado pelos países desenvolvi­dos.

O que os americanos obtiveram em troca, porém, foi extremamen­te significat­ivo.

A autodesign­ação como país “em desenvolvi­mento” confere ao membro da OMC certas vantagens processuai­s, maior espaço para conceder subsídios agrícolas e maior flexibilid­ade na negociação de acordos de livre-comércio.

Ainda que o Brasil abra mão de tais benefícios de maneira gradual, já emite um sinal político importante de apoio à proposta americana de eliminar o princípio da autodesign­ação, atendendo a uma das prioridade­s negociador­as dos Estados Unidos em seu pleitos de reforma da OMC.

E, de lambuja, os americanos ainda isolaram China e Índia nesse debate.

Um golaço político da administra­ção Trump.

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