Inchaço de verba de universidade pública ficou sem contrapartida
Para fundador do Insper, é preciso cobrar resultados e melhorar educação básica, cujas falhas explodem no ensino superior privado
O orçamento das universidades públicas aumentou muito no Brasil sem a contrapartida de resultados, como a presença do país nos rankings das cem melhores instituições do mundo.
A opinião é de Claudio Haddad, 73, fundador e presidente do conselho deliberativo do Insper, instituto de ensino superior e pesquisa sem fins lucrativos, que completa duas décadas neste mês.
O problema grave de governança das universidades públicas, diz, é apenas parte do panorama ruim do ensino brasileiro, desde a educação básica ao superior. A falta de responsabilização dos gestores também ajuda a compor o cenário.
Numa espécie de círculo vicioso, as deficiências que os alunos herdam da escola limitam a qualidade das faculdades. Por isso, Haddad considera injustas as críticas sobre a expansão do ensino superior privado: “Não há faculdade que faça o milagre de resolver todos os problemas da educação passada”, diz ele que, atualmente passa parte do ano em Portugal.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi sócio de Haddad nos primeiros anos do Insper, antes de a instituição receber esse nome e se tornar uma entidade sem fins lucrativos. As desavenças dos dois foram, diz Haddad, um momento preocupante do projeto. Porém, entre as conquistas importantes, ele lista o programa de bolsas para alunos de baixa renda.
Qual é o seu maior orgulho
em relação ao Insper? Fico orgulhoso de tudo. Foi uma trajetória que envolveu um número grande de pessoas. E educação é um setor em que a tradição conta muito, né? Para um aluno ir para uma escola começando do zero é preciso um voto de confiança muito grande.
Quando o sr. sentiu que tinha
decolado? A escola foi ficando conhecida, principalmente após a formatura da primeira turma, que acabou em terceiro lugar no provão do país, que era tipo o Enade [Exame Nacional de Desempenho de Estudantes] da época. As pessoas viam que cumpríamos o que prometíamos, procurando inovar não apenas por inovar, mas para melhorar. Aluno bom chama aluno bom, professor bom chama professor bom, e aí a coisa vai andando.
Qual foi o momento que mais
o preocupou? Um evento importante foi minha separação do meu sócio, quando comprei a participação dele. Tivemos divergências estratégicas.
O sócio do sr. era o Paulo Guedes? Qual era a principal divergência entre vocês? Ele queria expandir mais rápido, queria um modelo tipo a FGV, de franquia. E tinham várias outras coisas. Eu estava mais interessado em ter uma entidade de excelência, um modelo de universidade americana privada. Na época, era com fins lucrativos, mas eu tinha em mente (talvez sem muita consciência) ser sem fins lucrativos. Então, exerci a cláusula [contratual de compra e venda], dei um preço e ele optou por vender. Isso foi em 2003.
Em 2013, o sr. disse à Folha se incomodar com a visão de que o Insper era uma escola de elite. Acha que isso mudou? Mudou muito. Os bolsistas, por exemplo, são hoje 12,6% dos alunos.
A ideia é expandir esse percentual? A ideia é que qualquer aluno que passe no vestibular e queira ficar no Insper, fique, independente de patrimônio ou renda. Claro que o sistema brasileiro é perverso. Os melhores alunos do ciclo básico são de escolas privadas caras. Felizmente há exceções.
Então, apesar de as pessoas terem um background familiar complicado, muitos conseguem ir para a frente. O nosso problema é que o aluno olha o Insper e fala “é escola de rico, nem vou fazer vestibular”.
Isso ainda existe? Existe um pouco. Então a gente diz “olha, tem bolsa, você será acolhido aqui se passar”, e isso está sendo gradualmente disseminado, mas demanda tempo. Ainda temos poucos candidatos de outros estados, gostaríamos de ter mais.
O Enem tem sido alvo de polêmicas. O presidente Jair Bolsonaro manifestou a intenção de ler a prova antes de sua aplicação. O que acha disso? Cada macaco no seu galho. O presidente precisa presidir o país em vez de olhar prova de admissão de qualquer lugar.
O Insper está em expansão, em um contexto de crise do ensino superior. Como o sr.
avalia isso? Acho que não se pode falar do ensino superior sem falar do básico. O panorama do ensino básico ainda é trágico. Estamos lidando com um público que se forma no ensino médio com muitas lacunas. Isso impacta a qualidade do ensino superior.
Quantos alunos que se formam no ensino médio têm condições de cursar um Insper, uma FGV? Poucos.
Mas eles têm que ser atendidos de alguma maneira. O ensino privado surgiu pra atender a essas pessoas.
A qualidade do aluno que vem, em termos acadêmicos, deixa a desejar em função das lacunas que ele teve. Não há faculdade que faça o milagre de resolver todos os problemas da educação passada.
Então, acho a crítica de que se expandiu muito o ensino superior privado com qualidade ruim um pouco superficial. Não acho que foi ruim. Atende a uma necessidade. O aluno sempre ganha alguma coisa fazendo mais quatro anos de um curso.
Há pessoas formadas em vagas de baixa qualificação, fazendo faxina. Estudos feitos para alguns países mostram que o aluno pode nunca recuperar o gasto no ensino superior. Pode acontecer. Acontece na Europa e nos Estados Unidos também. Tem o problema de certos cursos que efetivamente não acrescentam valor. Se a gente acredita no mercado, eventualmente as pessoas deveriam demandar menos desses cursos.
A universidade pública, por outro lado, sofre um problema grave de governança. É de graça, o que também é questionável, porque boa parte dos alunos vêm de escolas caras e poderiam contribuir. Mas quanto à governança, elas recebem dinheiro sem contrapartidas e sem cobrança.
O orçamento das universidades federais aumentou muito. E o que isso gerou em termos de melhor qualidade? Não sei. Acho que continuamos sem nenhuma universidade de peso no Brasil entre as cem melhores do mundo.
E temos poucas entidades privadas com qualidade que sejam sem fins lucrativos e entrem em pesquisa. O Insper é uma delas, a FGV é outra, mas são relativamente poucas. Esse é o problema do ensino superior. E não é bom. Há anos se fala que o ensino é prioridade, e tudo mais, mas as coisas evoluem muito devagar.
Acho que a prioridade é um pouco da boca pra fora. É um problema basicamente de gestão. Onde as pessoas querem elas fazem acontecer. Aconteceu em Sobral (CE), em uma ocasião, no Rio de Janeiro, em Foz do Iguaçu. Em Pernambuco e Espírito Santo está acontecendo.
É preciso identificar as pessoas que vão tocar, adotar metas, cobranças. Ver o que funcionou e não funcionou.
O problema da educação é que ninguém é responsável por nada. Aumentou-se muito a verba para educação nos últimos anos. E os resultados? Alguém foi responsabilizado?
Deveria haver responsabilização? Sim, é o que acontece com uma empresa. O cara fala: eu preciso de tantos milhões para montar o projeto. Aí não acontece o resultado, o que se faz? “Tudo bem, toma mais esses milhões?” Não.
Voltando ao ensino superior, o MEC falou há pouco em uma Lava Jato da educação. Como esse tipo de situação
afeta o setor? Não tenho conhecimento pra falar de Lava Jato na educação. Acho que, se quer fazer alguma coisa, se faz. Não fica anunciando. Acho que isso tudo é muita perda de tempo, muita conversa sobre temas que não são fundamentais. O fundamental é o ensino e o aprendizado.
Como o sr. avalia a economia
brasileira? Tivemos problemas sérios. Precisaríamos retomar o crescimento de maneira rápida, mas não vejo isso acontecendo. Temos muitos problemas na parte fiscal, reformas que precisam ser feitas e não serão fáceis.
O governo parece caminhar
na direção certa? Não sei, acho a coisa ainda bastante confusa. Algumas propostas parecem muito boas. Acho essa proposta mais ambiciosa da Previdência ótima, mas tem que conversar no Congresso pois não é trivial. Acho que há clima para alguma reforma da Previdência, nem que seja paliativa por alguns anos.
Tendo trabalhado com o Paulo Guedes, o sr. acha que ele tem o perfil para conduzir o país nesse desafio? Prefiro não falar sobre isso. O Paulo é muito inteligente e articulado.