Portugal quer megarreserva ambiental no mar dos Açores
Área protegida em torno das ilhas vai preservar espécies e colocar o país na vanguarda da conservação
Pequeno em terra mas gigante no mar, Portugal deu início a um ousado projeto para transformar 15% do mar dos Açores em áreas marinhas totalmente protegidas. A nova reserva somada tomará 150 mil km2 de oceano em torno das nove ilhas, um acréscimo significativo aos 50 mil km2 já protegidos.
Situado no Atlântico Norte, a 1.500 km da costa portuguesa, o arquipélago dos Açores é um hub da biodiversidade marinha. Por ali transitam espécies migratórias do Atlântico Norte e do Sul, do Mediterrâneo e de zonas tropicais, fazendo da área um raro encontro de ecossistemas. Graças às ilhas açorianas, Portugal integra o pelotão das nações com mais oceano sob sua responsabilidade, em 20º lugar.
A criação das novas reservas marinhas, portanto, tem potencial para colocar Portugal na vanguarda dos projetos de conservação do mar. O projeto, batizado de Blue Azores, nasceu como um esforço conjunto do governo dos Açores e duas entidades privadas: a Fundação Oceano Azul, ligada ao grupo do aquário de Lisboa, e a americana Waitt Fundation, especialista em parcerias público-privadas para a sustentabilidade do mar.
“Portugal será um exemplo para a Europa e para o mundo”, declarou o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre a iniciativa, anunciada no final de fevereiro, em Horta, na ilha do Faial.
O programa para a conservação do mar dos Açores foi deslanchado há dois anos, com uma expedição científica patrocinada pelas fundações em parceria com a National Geographic e com a participação da Universidade dos Açores e da Marinha. A segunda missão, em 2018, completou o trabalho que envolveu 28 pesquisadores de nove países, em mais de 600 mergulhos e 60 horas de monitoramento por veículos operados remotamente para perscrutar o oceano onde a luz não chega. A missão mapeou mais de 21 mil km2 do fundo do mar.
Entre as importantes descobertas registradas pela expedição está um campo hidrotermal a mais de 500 metros de profundidade, um local por onde aflora água aquecida rica em minerais raros. A água brota por meio de “chaminés” naturais em torno das quais proliferam microrganismos.
“Esses seres não precisam da luz do sol, transformam energia química em matéria orgânica e nos dão pistas sobre a origem da vida”, explica o biólogo Emanuel Gonçalves, da Fundação Oceano Azul.
O arquipélago de Açores tem origem vulcânica e está fincado sobre o encontro de três placas tectônicas, onde cordilheiras submarinas e vulcões compõem um paraíso exótico no fundo e fora do mar. Prados verdes em contraste com o mar de azul profundo atraem turistas e velejadores. A observação de baleias é das atividades mais difundidas.
Os oceanos regulam a temperatura do planeta, fornecem oxigênio, alimento, energia e guardam um patrimônio incalculável de biodiversida- de, mas continuam cada vez mais expostos à pesca sem controle, à poluição, às alterações climáticas, à destruição do ecossistema litorâneo. Os biólogos da segunda expedição científica nos Açores encontraram menos predadores pelo caminho, um sinal preocupante, já que eles aparecem onde o alimento é abundante.
Por isso, proteger zonas onde as espécies se reproduzem e se alimentam tornou-se crucial, diz Emanuel Gonçalves. A ação freia a pesca e, ao mesmo tempo, favorece a atividade, elevando a quantidade de peixes. Os montes submarinos são, assim, locais a serem preservados. Como ilhas submersas, são uma espécie de grande refeitório da fauna marinha. Convencer a comunidade pesqueira de que alguns desses hotspots da pesca precisam ser poupados é um dos desafios pela frente.
“O setor não está preparado para limitar tanto a pesca”, disse o presidente da Federação das Pescas dos Açores, Gualberto Costa Rita.
Para o secretario Regional do Mar, Ciência e Tecnologia, Gui Menezes, o conhecimento de experiências prévias de restrição da pesca pode tornar a negociação com os pescadores mais tranquila.
Sem a intervenção de redes e anzóis, os pesquisadores conseguiram descobrir o tempo que determinadas espécies levam para se recuperar e reproduzir. Constataram também aumento dessas populações, uma notícia mais do que necessária para os portugueses, os terceiros maiores consumidores de peixes do mundo, segundo dados do Joint Research Centre, braço de pesquisas da União Europeia.
Várias medidas restritivas da pesca vêm sendo adotadas nos Açores nos últimos anos. Uma delas resultou de uma batalha jurídica de Portugal contra as regras da União Europeia. Ao aderir ao bloco, nos anos 1980, frotas de qualquer outro país integrante podiam vir pescar no mar açoriano sem restrições.
Há 15 anos isso mudou. Autoridades e cientistas conseguiram provar que o ecossistema era delicado demais para aguentar tamanha exploração. Desde então, apenas barcos portugueses podem pescar num raio de até 100 milhas da costa. Ficaram proibidas também as redes de arrasto.
“Se não tivesse havido essas proibições, hoje já não teríamos peixe”, diz Gui Menezes. O problema é que parte importante da zona econômica exclusiva portuguesa continua sendo compartilhada com os demais integrantes da União Europeia. Portugal tentou impedir o assédio de barcos estrangeiros dentro das 200 milhas que delimitam essa zona econômica de Portugal, mas não conseguiu. Com as novas reservas, mudará também esse cenário porque elas serão soberanas e valerão para todos.
Portugal tem pequenas reservas costeiras, que garantem um nível de proteção baixo das águas territoriais. Esse é um modelo que prevalece no planeta. Quase metade das reservas no mundo tem menos de 10 km2, segundo o Atlas da Proteção Marinha, um projeto do Instituto da Conservação Marinha. Cerca de 4,8% do oceano global está protegido de alguma forma, sendo que apenas 2% são zonas totalmente preservadas.
O desafio de Portugal para os próximos três anos é implementar as novas áreas de proteção com base em estudos técnicos que definirão os locais e as espécies mais frágeis, as regras e punições.
Será uma façanha e tanto colocar sob uma redoma de preservação 20% da zona econômica exclusiva. Poucos países no mundo protegem tanto o oceano pelo qual são banhados. O Brasil, por exemplo, está muito longe disso. Aparece com 1% de sua imensa região marinha protegida, ou 42 mil km2, segundo o Atlas. “Não será nada fácil”, disse o presidente do governo regional dos Açores, Vasco Cordeiro. “Mas estamos prontos a embarcar nesta aventura.”
O mar de Portugal
País quer transformar 15% do mar dos Açores em áreas marinhas totalmente protegidas