Folha de S.Paulo

Islã ganha seguidores e muda cara de cidade no meio do agreste nordestino

Em Itabaianin­ha (SE), ex-pastor evangélico funda mesquita e trabalha para difundir o nome de Alá

- Karime Xavier

itabaianin­ha (se) Por uma estrada sinuosa, deixando uma fila intermináv­el de coqueiros para trás, chega-se a Itabaianin­ha, no agreste sergipano, após rodar 118 km desde Aracaju. Ali, na cidade de 40 mil habitantes, o céu está cheio de nuvens branquinha­s. Algumas até parecem prometer chuva, mas ela não vai chegar.

Em certa medida, o cenário faz Dedé se lembrar das fotos e dos vídeos da Arábia Saudita que ele vê pela internet. De tão árida e quente, a terra ocre poderia ser a de Meca. A diferença é que, para pedir chuva, o nordestino reza para Padre Cícero. Já a turma do Dedé reza para Alá.

“Eu comecei cortando o batismo em nome da Trindade, depois cortei a Trindade, daí o povo começou a me chamar de doido aqui na cidade.”

Foi dessa maneira que Dedé, o ex-pastor evangélico José Renato de Jesus Vieira, 50, presidente fundador da Religião Islâmica de Itabaianin­ha, começou a transição de seu rebanho.

A cidade, que ficou conhecida no país por ter uma população consideráv­el de anões devido a uma mutação genética, é agora também terra de muçulmanos no Nordeste.

Todos os dias, eles podem ser vistos orando em direção à cidade sagrada de Meca, como o Alcorão (o livro sagrado do islã) manda fazer cinco vezes ao dia.

Convidado por um amigo para ir até Aracaju e conhecer o islã, Dedé ficou em dúvida. Afinal de contas, era pastor. Já na primeira conversa com um seguidor da religião, porém, ele conta que se “encontrou”.

Dedé passou dois anos pesquisand­o em redes sociais e na própria Bíblia —pois ainda não tinha o Alcorão— o que era aquela religião.

A ideia de um único deus, Alá, foi determinan­te para sua escolha —o islã, com o cristianis­mo e o judaísmo, forma o tríptico de grandes religiões monoteísta­s do mundo e tem o segundo maior séquito (o cristianis­mo tem 31% da população global, e o islamismo, 23%, segundo um es- tudo de 2010 feito pelo Centro de Pesquisa Pew, nos EUA).

Então pastor, ele começou a transição de seu rebanho evangélico de forma gradual.

Além de cortar o batismo em nome da Trindade e a própria Trindade, remanejou o protagonis­mo de Jesus, que passou a ser tratado como um profeta de Deus —a forma como ele é descrito no Alcorão— e não como o próprio Deus, na descrição da Bíblia.

Rosineide Alves Ferreira Vieira, 49, mulher de Dedé, diz que começou a achar estranho o comportame­nto do marido. “Ué, Jesus era um Salvador, agora ele não salva mais?”

Segundo Dedé, “houve um tombo na consciênci­a e pensamento do povo”. “Eu parava um tempo e voltava, daí já abria a mente deles e todos começaram a entender e aceitar que precisaria­m usar véus, não comer carne de porco, orar cinco vezes ao dia e fazer o Ramadã.”

Essa transição durou dois anos, e a conversão coletiva—que eles preferem chamar de reversão— ocorreu no dia 24 de julho de 2017. A comunidade muçulmana de Itabaianin­ha tem, atualmente, 37 adeptos, além de 8 crianças e 10 futuros muçulmanos que aguardam a reversão.

Com ajuda de outro irmão, Dedé conseguiu levar um xeque (autoridade religiosa) para sua mesquita, o moçambican­o Ali Momade, 36.

Na rotina de Dedé e Ali, estão as visitas a casas nos arredores da cidade para apresentar o Alcorão. Assim, começaram a propagar o islã.

No início, essas ações não foram bem vistas. “Havia gente de outras religiões que fazia até jejum para que o islã não conseguiss­e adeptos por aqui”, diz. “As pessoas achavam que Alá era um boneco de Buda”, diz Rosineide.

Para o xeque Ali, o interesse pela religião islâmica cresceu muito após os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, quando quase 3.000 pessoas foram mortas por terrorista­s pilotando aviões.

Ele diz que ao pesquisar quem eram os muçulmanos em um impulso de curiosidad­e, muitos gostavam dos preceitos e se convertiam. Segundo ele, o islã —termo que em árabe significa “submissão voluntária a Deus”— é um código de vida que serve tanto no campo politico quanto social.

Para seguir à risca esses códigos, adaptações são necessária­s, como a adoção dos véus e lenços, que o próprio xeque “importa” de São Paulo (o Alcorão recomenda que as mulheres se vistam com modéstia fora de casa, o que costuma ser interpreta­do como esconder corpo e cabelos).

Em meio ao tom pastel quase monocromát­ico do sertão, os lenços coloridos sobressaem nas cabeças femininas.

Mas, além de curiosidad­e, os véus também geram preconceit­o. Josete Guimarães dos Santos, 52, uma das convertida­s de Itabaianin­ha, diz que é comum ser chamada de “mulher bomba”. Ela afirma não ligar, pois acredita estar agradando a Alá.

Os hábitos alimentare­s também causam confusão. Muçulmanos não comem carne de porco, que consideram impura. Bebidas alcoólicas são proibidas e o abate de animais para consumo precisa seguir regras (é a carne halal).

Após a reversão de Neilma Santana, 22, filha de evangélica, houve uma pequena revolução em sua casa. “Sempre comi galinha sufocada (morta por estrangula­mento) em casa, mas depois do islã, só posso comer galinha sangrada (por corte)”, diz. “Então para agradar a todos, matamos sempre duas galinhas.”

Se Neilma achou um meio de adaptar a dieta, o relacionam­ento ainda carece de oração. Ela vive com um rapaz não convertido e se pergunta se isso é permitido por Alá. Antes que alguém responda, dispara: “Não pode. Mas como se diz? Tudo tem seu tempo”.

 ?? Karime Xavier/Folhapress ?? A lavradora Josefa Carmo Santos, 41, adepta do islamismo, em Itabaianin­ha
Karime Xavier/Folhapress A lavradora Josefa Carmo Santos, 41, adepta do islamismo, em Itabaianin­ha
 ?? Karime Xavier/ Folhapress ?? Grupo de muçulmanas caminha pelas ruas de Itabaianin­ha; à direita, o auxiliar de pedreiro, Valdeiton Conceição Santos, 30, ensina o filho Lucas Santos, 2 a rezar em direção a Meca
Karime Xavier/ Folhapress Grupo de muçulmanas caminha pelas ruas de Itabaianin­ha; à direita, o auxiliar de pedreiro, Valdeiton Conceição Santos, 30, ensina o filho Lucas Santos, 2 a rezar em direção a Meca
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