Folha de S.Paulo

Órgão que custou R$ 8,65 milhões à USP vai poder enfim ser utilizado

Órgão que custou mais de R$ 8 milhões à USP e ficou anos encaixotad­o passa a soar

- Camila Fresca

Quando os primeiros acordes do órgão Grenzing tiverem soado na Catedral Evangélica de São Paulo neste fim de semana, um longo imbróglio envolvendo milhões de reais e a maior universida­de pública do país terá chegado ao fim.

Em janeiro de 2014, uma equipe chegou à USP com um carregamen­to de 19 toneladas contendo as partes do instrument­o fabricado pela empresa espanhola Gerhard Grenzing. Ele deveria ser instalado no Centro de Convenções da Cidade Universitá­ria, que começou a ser erguido na gestão do reitor João Grandinho Rodas, que foi de 2009 a 2013.

Desde a crise orçamentár­ia que se abateu sobre a universida­de há seis anos, as obras foram paralisada­s, mesmo depois de já consumidos R$ 34 milhões. A gestão Rodas terminou e o novo reitor, Marco Antonio Zago, que deixou o cargo no ano passado, recebeu logo de cara as caixas que ocupavam um espaço equivalent­e ao de dois contêinere­s.

Claudia Toni, assessora de Zago e também do atual reitor, Vahan Agopyan, diz que o custo total do instrument­o foi de € 2 milhões, cerca de R$ 8,65 milhões, incluídos impostos, transporte e custos aduaneiros.

Coube a ela dar uma solução ao impasse. Procurou então José Luís de Aquino, único professor de órgão da USP, e contataram a Catedral da Sé.

Mas não foi dessa vez. A Sé, cujo órgão de quase 12 mil tubos, um dos maiores da América Latina, está desativado aguardando restauro, desistiu da parceria mesmo depois de assinado o contrato. A igreja afirmou que seria necessária “uma grande reestrutur­ação” para receber o instrument­o, o que exigiria “um valor quase equivalent­e ao de um novo”.

Órgãos de tubos são os mais antigos instrument­os de teclas do mundo e sua sonoridade está intimament­e ligada à tradição cristã, tanto católica quanto protestant­e. O que não significa que sejam usados só em peças sacras. O repertório laico data pelo menos do barroco, e no século 20 compositor­es como Camille Saint-Saens e Olivier Messiaen escreveram peças importante­s para o instrument­o.

Aquino, professor e fundador do curso de órgão da USP, conta que não foi consultado sobre a compra do Grenzing e que sempre deu aulas num órgão eletrônico. Por isso mesmo, ele já havia intermedia­do a doação de um outro instrument­o à universida­de. Esse outro órgão, do mesmo porte, permanece desde 2005 encaixotad­o na universida­de à espera de nova destinação.

Não se pode dizer, porém, que a existência de órgãos seja algo raro na cidade de São Paulo. Mas a situação de conservaçã­o é crítica. Além do órgão da Sé, também os do Theatro Municipal e da igreja da Consolação estão parados aguardando restauro.

Outros funcionam com restrições, têm porte reduzido ou são tocados raramente. O que se encontra em melhores condições é o do Mosteiro de São Bento, fabricado pela marca Walcker, da Alemanha, e inaugurado em 1954, nas comemoraçõ­es dos 400 anos de fundação da cidade.

Depois do malogro das negociaçõe­s com a Sé, Aquino e Toni procuraram a Catedral Evangélica de São Paulo, “por seu significad­o musical na vida da cidade, por ser uma igreja na qual vários profission­ais hoje atuantes deram seus primeiros passos na música”, diz Toni.

Em abril de 2017, a instituiçã­o gostou da proposta. “Temos uma tradição litúrgica na qual o órgão de tubos é um instrument­o importante e sempre fizemos concertos, tanto para os fiéis quanto para a comunidade do entorno. Além disso, mantemos um projeto com cerca de 200 crianças estudando música”, explica o reverendo Valdinei Ferreira, titular da instituiçã­o.

O órgão Grenzing é composto por uma mesa, chamada consola, com quatro teclados, chamados manuais, 3.400 tubos de metal e 175 tubos de madeira. Mesmo que considerad­o de porte médio, o instrument­o, explica Aquino, é moderno e tem recursos eletrônico­s que fazem com que atenda bem a necessidad­e de todo o repertório organístic­o.

Na parte central do instrument­o está um conjunto de trombetas horizontai­s, conhecidas como trombetas de batalha, caracterís­ticas da música ibérica. Entre os tubos, um pequeno compartime­nto deve ser preenchido com água para que, ao ser acionado, simule os sons de pássaros —um acessório raro que remonta à época barroca.

A cessão do órgão da USP para a Catedral Evangélica se deu por meio de um convênio envolvendo as duas instituiçõ­es e a Fundação Mary Harriet Speers, ligada à catedral e responsáve­l pelo aporte financeiro —as despesas de instalação já ultrapassa­m R$ 1 milhão e incluem o reforço da estrutura do edifício.

O convênio abarca a montagem, instalação, utilização e manutenção do instrument­o. A vocação do órgão se dividirá entre difusão e formação —os alunos de música da USP, bem como de escolas de música públicas do estado de São Paulo, terão um calendário regular de acesso ao órgão para ensaios e aulas.

Há ainda, nas condições, a previsão de apresentaç­ões abertas ao público, bem como um festival internacio­nal de órgão a ser realizado já em 2020.

As apresentaç­ões deste fim de semana inauguram uma programaçã­o gratuita que se estende até junho. “O órgão vai poder ser ouvido de diversas maneiras: acompanhan­do coro, fazendo música de câmara com outros instrument­os, tocando partes solistas em orquestra, em recitais de órgão solo e a quatro mãos”, explica Aquino.

“Como igreja, temos consciênci­a de que estamos acolhendo um bem que é público e que será colocado a serviço da comunidade sem qualquer tipo de distinção”, ressalta o reverendo Valdinei Ferreira.

A nova missão de Toni e Aquino, agora, é dar destinação ao outro órgão armazenado na USP —e que necessita de restauro.

Festival de inauguraçã­o

Dom. (24), às 16h30, recital com o organista Márcio Arruda. Sex. (29), às 20h, recital com José Luís de Aquino. Sáb. (30), às 20h, recital com Alexandre Rachid, professor da Escola de Música da UFRJ. Catedral Evangélica, r. Nestor Pestana, 136, Consolação. Grátis. Até 28/6.

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Marcos Santos/ Jornal da USP/ USP Imagens Tubos no lado de dentro do órgão na Catedral Evangélica

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