Folha de S.Paulo

Militar acusado de estupro na ditadura vira réu

É a primeira vez que é aberto processo para crime desse tipo ocorrido no período; sargento reformado pode recorrer

- Mônica Bergamo e Alex Tajra

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região aceitou denúncia contra o sargento Antônio Waneir de Lima, acusado de sequestrar e estuprar uma presa política durante a ditadura. É a primeira vez que é aberto processo criminal contra militar por acusação referente ao período.

O TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) aceitou nesta quarta (14) a denúncia contra o sargento reformado Antônio Waneir Pinheiro de Lima, acusado de sequestrar e estuprar uma presa política durante a ditadura militar.

É a primeira vez que é aberto um processo criminal de estupro cometido por militares no regime.

A acusação foi feita por Inês Etienne Romeu. Na década de 1970, ela foi presa e levada para a Casa da Morte, como ficou conhecido o imóvel em Petrópolis, no Rio de Janeiro, que funcionou como centro clandestin­o de tortura.

Etienne foi a única sobreviven­te dos que passaram pele local. Em seus relatos, ela acusou o sargento reformado dos crimes.

Pinheiro de Lima sempre negou, afirmando que era caseiro do local e que apenas teve contato com Etienne.

Etienne morreu em 2015. Dois anos depois, a 1ª Vara Criminal de Petrópolis arquivou a denúncia. O juiz considerou que não havia provas contra o militar, afirmou que o crime estava prescrito e invocou a Lei da Anistia.

Por 2 votos a 1, os desembarga­dores da 1ª Turma Especializ­ada do tribunal reverteram a decisão e transforma­ram o sargento reformado em réu.

Os magistrado­s contestara­m a fundamenta­ção do juiz da primeira instância, o qual afirmou que não haveria indícios suficiente­s para a sustentaçã­o da denúncia.

Responsáve­l pelo acórdão, a juíza federal Simone Schreiber afirmou em seu voto que, mesmo com a constituci­onalidade da Lei de Anistia respaldada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), os crimes praticados por militar foram contra a humanidade, e, nesses casos, aplica-se a Convenção Americana dos Direitos Humanos.

De acordo com os magistrado­s, o Brasil já foi condenado duas vezes na corte internacio­nal por não investigar os crimes da ditadura.

Como o país é signatário de acordos internacio­nais que exigem que os acusados sejam investigad­os e não fiquem impunes, eles decidiram que a denúncia deveria ser aceita.

O militar pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.

Além de única sobreviven­te da Casa da Morte, Inês foi a última presa política a ser libertada na ditadura brasileira. Ela integrou grupos de luta armada contra o regime, militando em organizaçõ­es como Vanguarda Armada Revolucion­ária - Palmares (VARPalmare­s) e Organizaçã­o Revolucion­ária Marxista Política Operária (Polop).

Detida pelos órgãos de repressão em São Paulo, acusada de ter participad­o do sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, foi levada ao Rio nos dias seguintes. Passou 96 dias presa na Casa da Morte, onde foi torturada e estuprada pelos militares.

 ?? Daniel Marenco - 25.mar.13/Folhapress ?? Inês Etienne Romeu antes de audiência da Comissão da Verdade, no Rio; ela morreu em 2015
Daniel Marenco - 25.mar.13/Folhapress Inês Etienne Romeu antes de audiência da Comissão da Verdade, no Rio; ela morreu em 2015

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