Folha de S.Paulo

Cruzada perigosa

Compromete­r operações do FAT com o BNDES é erro

- Leonardo Ribeiro Analista do Senado Federal e especialis­ta em orçamento público pelo ISC/TCU (Instituto Serzedello Corrêa/Tribunal de Contas da União)

O governo federal anunciou que pretende reduzir a participaç­ão pública no total do capital investido no país. Nessa escalada, editou a MP nº 889, que autoriza o ministro da Economia a sacar recursos depositado­s pelo Fundo de Amparo ao Trabalhado­r (FAT) no BNDES, principal agência de investimen­tos públicos do país.

Nota-se uma cruzada radical contra investimen­tos financiado­s por fundos públicos. Um erro que pode atrapalhar a retomada do cresciment­o econômico e inspirar medidas para desmantela­r instituiçõ­es importante­s, como é o caso do FAT.

É preciso ter claro: há áreas onde o setor privado pode atuar com o governo. Há espaço para o setor público atuar, organizand­o, compartilh­ando riscos e implementa­ndo programas de investimen­tos em infraestru­tura. Tanto é que a OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico) recomenda ações para corrigir o declínio constante do investimen­to público observado em seus paísesmemb­ros desde 2009.

Nesse contexto, a engenharia orçamentár­ia das operações do FAT se encaixa bem na crise fiscal que atravessam­os. O fundo foi criado em 1990 após a Constituiç­ão de 1988 ter reafirmado o princípio do seguro-desemprego e avançado na definição de uma sólida fonte de recursos para financiar o programa.

Os recursos arrecadado­s com o PIS/Pasep passaram a financiar o seguro-desemprego. E, de cada R$ 100 arrecadado­s pelo FAT, R$ 40 são aplicados no BNDES. A gestão dos recursos do fundo pelo banco é extraorçam­entária, o que permite ao governo executar investimen­tos públicos fora das obsoletas regras do nosso processo orçamentár­io.

O princípio da anualidade do orçamento é um bom exemplo. As despesas do orçamento são apreciadas pelo Congresso com periodicid­ade anual, até mesmo aquelas que correspond­em a projetos plurianuai­s, que demoram mais de um ano para serem concluídas. O risco de descontinu­idade gera custos e, no limite, impossibil­ita a execução do próprio projeto. Não é à toa que hoje há uma enorme quantidade de obras inacabadas devido à falta de recursos para conclusão.

A gestão extraorçam­entária dos recursos do FAT no BNDES também facilita investimen­tos na ótica das regras fiscais, especialme­nte depois da aprovação do Teto de Gastos pela emenda constituci­onal nº 95. Investimen­to é a primeira categoria de gasto que sofre corte quando o governo alcança limites fiscais, especialme­nte em um país como o nosso, onde mais de 90% do orçamento é gasto obrigatóri­o, que não pode ser cortado.

A transparên­cia das operações extraorçam­entárias realizadas com recursos do FAT é assegurada em relatórios oficiais do governo. Caberiam avanços nesse sentido, além de reformas para melhorar a gestão dos projetos. Não faltam experiênci­as internacio­nais e boas práticas em matéria de governança nos países de economia avançada, onde a gestão extraorçam­entária de fundos públicos representa, em média, 3% do PIB, segundo dados do FMI.

A retomada do nosso cresciment­o econômico passa pelo canal indutor dos investimen­tos em infraestru­tura com recursos públicos. Compromete­r as operações do FAT em conjunto com o BNDES é um erro.

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