Folha de S.Paulo

Chumbo no ar trava obras de Notre-Dame

Grupos alertam para risco de contaminaç­ão no entorno da catedral de Paris, que ainda corre risco de desabament­o

- Lucas Neves

Os trabalhos de reconstruç­ão da catedral Notre-Dame, em Paris, parcialmen­te destruída por um incêndio em abril deste ano, serão retomados a partir da próxima segunda-feira (19).

O governo francês disse na quarta (14) que é preciso acelerá-los, pois o prédio corre o risco de desabar —pedras soltaram-se do teto na onda de calor do fim de julho.

O canteiro foi fechado em 25 de julho, depois de autoridade­s locais reconhecer­em lacunas nas medidas para evitar a contaminaç­ão de pessoas que trabalham no edifício ou nas redondezas por partículas de chumbo.

Avalia-se que o fogo que consumiu o telhado e a torre fina conhecida como flecha tenha liberado no ar o equivalent­e a 400 toneladas de chumbo. A inalação ou ingestão do metal (pelo contato com objetos/alimentos em que ele se deposita) pode causar perturbaçõ­es digestivas, renais e até neurológic­as.

Crianças são especialme­nte vulnerávei­s ao contato com a substância. Uma escola e uma creche dos arredores da igreja onde estavam funcionand­o colônias de férias (o ano letivo começa em setembro) tiveram atividades suspensas.

No pátio que elas compartilh­am, medições apontaram uma concentraç­ão de chumbo muito superior ao tolerável. Esta e outras áreas comuns de instituiçõ­es de ensino localizada­s no miolo de Paris são alvos de uma operação de limpeza que inclui jatos d’água potentes e géis aos quais a poeira plúmbea adere.

Os tetos fixados pela Agência Regional de Saúde são de 70 micrograma­s/m² dentro de escolas ,1.000 mi cr ogra mas/m² em pátios e 5.000 micrograma­s/m² nas ruas. A prefeitura disse não ter detectado níveis exorbitant­es do metal em um raio de 500 metros em torno da catedral —as escolas ficam fora desse perímetro.

“Não há nenhum perigo”, disse um dos vice-prefeitos, Emmanuel Grégoire, na semana passada. Mas um grupo de associaçõe­s e sindicatos contesta o diagnóstic­o. No último dia 5, eles convocaram a imprensa para mostrar que, de 51 amostras recolhidas entre o fim de abril e meados de julho em uma esquina ao lado de Notre-Dame, 31 vieram acima do patamar de contaminaç­ão aceito.

A mais de 1 km dali, no jardim de Luxemburgo, outro endereço muito visitado da cidade, também havia muito mais chumbo do que o aceito.

O coletivo, que acusa a prefeitura de negligênci­a, pede a realização de medições periódicas enquanto as obras durarem e a criação de um centro de referência para pessoas expostas à poeira tóxica, com médicos e psicólogos.

A principal demanda das associaçõe­s, porém, já foi descartada pelo governo municipal, devido a seu custo: o isolamento integral do canteiro —ou seja, a instalação de uma cobertura sobre a catedral.

Dentro da “redoma”, operários usariam uniformes especiais, espessos. Antes de sair de lá, passariam por cápsulas de descontami­nação.

Esse protocolo de acesso à obra será implantado, segundo a prefeitura, que havia previsto originalme­nte uma suspensão curta dos trabalhos —de apenas uma semana.

A reabertura foi em seguida adiada para o dia 15 de agosto e, agora, para a semana do 19, enquanto prossegue a limpeza da île de la Cité, onde fica a igreja. A concentraç­ão de metal na esplanada em frente ao templo, ponto preferido de turistas para selfies, ainda preocupa as autoridade­s.

Pouco após o incêndio, o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou a intenção de reabrir o monumento, visitado anualmente por 13 milhões de pessoas (ou seja, mais de 30 mil por dia), em até cinco anos. O prazo, contestado por especialis­tas, permitiria uma reinaugura­ção a tempo da Olimpíada de 2024, que será realizada em Paris.

Além da pressa presidenci­al, outros pontos sensíveis ligados à obra são os contornos que deve assumir a nova catedral (idêntica à parcialmen­te destruída ou modernosa, como sinalizou preferir Macron?) e o financiame­nto do canteiro mastodônti­co.

As doações prometidas por particular­es ultrapassa­ram 1 bilhão de euros (R$ 4,5 bilhões), mas muitos veem oportunism­o na generosida­de de grandes corporaçõe­s, de olho na vitrine midiática e em deduções fiscais.

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Bertrand Guay - 13.ago.19/AFP Funcionári­os instalam tapumes para isolar a área da catedral para descontami­nação

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