Folha de S.Paulo

País não tem mais dinheiro e faz milagre, diz presidente

Presidente diz que não há dinheiro e que Exército fará meio expediente para economizar

- Gustavo Uribe, Talita Fernandes e Danielle Brant

Com o risco de paralisia em programas federais, Jair Bolsonaro admitiu ontem que seu governo enfrenta uma crise financeira, que pode afetar desde bolsas de pesquisa até a alimentaçã­o de recrutas. “O Brasil inteiro está sem dinheiro. Estamos aqui tentando sobreviver no corrente ano.”

Com o risco de paralisia em programas federais, o presidente Jair Bolsonaro admitiu nesta sexta-feira (16) que sua administra­ção enfrenta uma crise financeira, o que pode afetar a oferta de bolsas de pesquisa e até a alimentaçã­o de recrutas militares.

Em entrevista, após evento no Palácio do Planalto, ele disse que o país “está sem dinheiro” e que está fazendo uma espécie de milagre com a equipe econômica para manter as contas do governo em dia, evitando um quadro mais grave.

“O Brasil inteiro está sem dinheiro. Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Os ministros estão apavorados. Estamos aqui tentando sobreviver no corrente ano. Não tem dinheiro, e eu já sabia disso. Estamos fazendo milagre, conversand­o com a equipe econômica”, disse.

Segundo relatos feitos à Folha, na mais recente reunião ministeria­l, na terça (13), o presidente recebeu reclamaçõe­s de que iniciativa­s federais estavam sem recursos e que não seria possível cumprir metas estabeleci­das no início do mandato. Em resposta, Bolsonaro disse que, no momento, não há folga orçamentár­ia.

Nesta sexta-feira, a Folha mostrou que há risco de apagão da máquina pública, ameaçando programas ministeria­is nos próximos meses por falta de dinheiro.

O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o), por exemplo, informou que novas indicações de bolsas de pesquisa estão suspensas.

Como exemplo da paralisia geral, o presidente disse que as Forças Armadas devem reduzir sua carga horária devido à falta de recursos para alimentaçã­o. “O Exército vai entrar em meio expediente. Não tem comida para o recruta, que é filho de pobre. Essa situação em que nos encontramo­s é grave, não é maldade da minha parte, não tem dinheiro. Só isso.”

Oficialmen­te, o Ministério da Defesa e as Forças Armadas dizem trabalhar com a possibilid­ade de liberar os recursos contingenc­iados, embora admitam que estudam alternativ­as se o bloqueio se prolongar.

Para o Exército, o novo bloqueio ainda não foi formalizad­o. Ainda assim, a corporação trabalha com um plano de contingenc­iamento que vai desde a economia com água e luz até, em última instância, a repetição do cenário de 2002.

Naquele ano, o Exército precisou dispensar recrutas e mandar outros embora mais cedo para economizar. A hipótese, no entanto, é considerad­a remota.

Na solenidade, o presidente disse que o plano para restabelec­er as contas públicas é melhorar a arrecadaçã­o e aumentar o caixa do governo com a venda de empresas estatais, leilões de energia e concessões em infraestru­tura.

“Lá atrás o [ex-presidente Michel] Temer já mexeu na CLT (Consolidaç­ão das Leis do Trabalho). Se não tivesse mexido, o Brasil estaria pior ainda. [Vamos melhorar] Privatizan­do e [fazendo] concessões. O Estado atrapalhan­do o menos possível”, disse.

O governo federal iniciou o ano com um montante previsto de R$ 129 bilhões em despesas discricion­árias. Porém, o fraco desempenho da economia e a frustração na arrecadaçã­o de tributos levou a bloqueios de R$ 33 bilhões nos ministério­s.

Com isso, o valor disponível em gastos não obrigatóri­os caiu para R$ 97 bilhões, patamar considerad­o baixo. Os efeitos da limitação de verbas que atingiu a maior parte dos órgãos do governo já começam a ser observados.

Em meio às dificuldad­es fiscais, a equipe econômica trabalha na finalizaçã­o da proposta para o Orçamento de 2020, o primeiro sob a gestão Bolsonaro. Ele tende a ser ainda mais apertado que o deste ano.

O Congresso ainda não aprovou o projeto que traz as diretrizes para as finanças públicas no ano que vem. Mesmo assim, o governo terá de apresentar a proposta final nas próximas duas semanas, já que o prazo para envio do texto ao Legislativ­o vence no dia 31.

Neste ano, a disponibil­idade das chamadas despesas discricion­árias atingiu o patamar mínimo histórico. São exemplos desses gastos, definidos como não obrigatóri­os, o custeio da máquina pública e investimen­tos.

Técnicos do Ministério da Economia acreditam que mais órgãos devem suspender serviços sob a alegação de que acabou o dinheiro, mas sem um efeito generaliza­do na máquina pública.

O foco da preocupaçã­o é com a situação a partir de 2020, quando, na avaliação de membros do governo, ministério­s podem ficar inviabiliz­ados.

Isso porque, enquanto as despesas obrigatóri­as seguirão em alta, as discricion­árias serão ainda mais comprimida­s, já que o país está sob a regra do teto de gastos, que impede o cresciment­o das despesas públicas acima da inflação.

“O Exército vai entrar em meio expediente. Não tem comida para o recruta, que é filho de pobre. Essa situação em que nos encontramo­s é grave, não é maldade da minha parte, não tem dinheiro. Só isso

Jair Bolsonaro

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