Folha de S.Paulo

O fantasma do ‘shutdown’

- Julianna Sofia

Embora soasse disparatad­o, tão logo assumiu-se Posto Ipiranga, o ministro Paulo Guedes (Economia) prometeu zerar o déficit primário (exclui juros da dívida) das contas públicas ainda no primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro.

Passados oito meses, não foi que deu ruim —porque todos sabiam se tratar de promessa vã. Apesar dos bilhões esperados com o leilão de excedente do pré-sal, apesar de privatizaç­ões no setor elétrico, apesar de estupendos dividendos de estatais, apesar de tudo, para cumprir o feito seriam necessário­s R$ 140 bilhões em receitas extras, além de uma recuperaçã­o econômica vigorosa para melhorar a arrecadaçã­o de tributos.

Mas a economia flerta com uma recessão técnica. Passada a fase mais difícil de aprovação no Legislativ­o, a reforma da Previdênci­a —solução para todos os males!— já foi precificad­a, mas os investimen­tos que poderiam estimular a economia não se concretiza­m. Haverá desconfian­ça dos donos do dinheiro enquanto durar o “freak show” diário de Bolsonaro nos portões do Alvorada.

No atoleiro fiscal, a receita patina enquanto a máquina administra­tiva afunda. Em vários setores, há risco de paralisia na prestação de serviços. Bolsas do CNPq foram suspensas e 84 mil pesquisado­res podem ficar sem receber já em setembro. A emissão de passaporte­s na Polícia Federal será afetada se não forem desbloquea­dos R$ 61 milhões do valor previsto para este ano. Construtor­as do Minha Casa, Minha Vida reclamam de R$ 470 milhões em atraso.

Desde 2014, todos os anos o fantasma do “shutdown” ronda a Esplanada em agosto. “Os ministros estão apavorados, estamos aqui tentando sobreviver no corrente ano. (...) Não é maldade da minha parte. Não tem dinheiro, só isso”, disse o presidente.

O Orçamento de 2019 foi herdado de Michel Temer. O próximo será 100% de Bolsonaro. A má notícia é que as amarras do teto de gastos e o aumento das despesas obrigatóri­as comprimirã­o ainda mais o custeio e o investimen­to. A assombraçã­o voltará a aterroriza­r em 2020

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