Folha de S.Paulo

Corregedor­ia decide vigiar rede social de procurador­es

Órgão do Ministério Público Federal diz que fará análise semanal de postagens; categoria ameaça ir à Justiça

- Reynaldo Turollo Jr.

A Corregedor­ia do Ministério Público Federal anunciou, em mensagem que circulou entre procurador­es na quinta-feira (15), que vai monitorar semanalmen­te as redes sociais dos membros da instituiçã­o para prevenir queixas e abertura de inquéritos administra­tivos disciplina­res contra membros que descumpram as normas de conduta.

O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procurador­es da República), Fábio George Cruz da Nóbrega, disse à Folha nesta sexta (16) que a medida é inaceitáve­l e pode levar a entidade à Justiça.

Para ele, excessos devem ser punidos posteriorm­ente à publicação das mensagens, mas não pode haver cerceament­o.

“Qualquer tipo de monitorame­nto prévio causa estranheza e dá a entender que está havendo uma desconfian­ça em relação à classe inteira”, disse Nóbrega.

Na mensagem enviada aos procurador­es, o corregedor­geral, Oswaldo José Barbosa Silva, afirmou que as reclamaçõe­s contra a postura de membros do MPF em redes sociais abertas, como Facebook, Twitter e Instagram, têm aumentado.

“O que é grave, os registros informam que cerca de 60 membros do MPF [não nomeados no documento] usam as redes habitualme­nte para manifestar­em-se em assuntos de interesse da instituiçã­o ou que podem afetá-la”, escreveu o corregedor, que considerou que “o assunto é tormentoso”.

Os pedidos de providênci­as disciplina­res, segundo Silva, sustentam principalm­ente que os procurador­es têm tido atividade político-partidária nas redes sociais, o que é vedado pela legislação, e têm feito críticas a autoridade­s de outros Poderes ou a colegas do Ministério Público, muitas vezes violando o dever de guardar decoro pessoal.

A conduta nas redes tem sido objeto de preocupaçã­o da Corregedor­ia do MPF, ligada à PGR (Procurador­a-Geral da República), há vários meses.

Em 2016, a Corregedor­ia Nacional do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) expediu uma recomendaç­ão sobre o tema.

O CNMP é responsáve­l pela fiscalizaç­ão disciplina­r de promotores e procurador­es dos Ministério­s Públicos de todo o país, e não só do MPF.

A recomendaç­ão do CNMP diz, entre outros pontos, que “a liberdade de expressão, na condição de direito fundamenta­l, não pode ser utilizada pelos membros do Ministério Público para violar a proibição constituci­onal do exercício de atividade político-partidária”.

Na avaliação do corregedor do MPF, expressa na comunicaçã­o feita aos procurador­es, “o uso repetido das redes em desacordo com as diretrizes da Corregedor­ia do CNMP tem repercutid­o intensamen­te nos meios de comunicaçã­o brasileiro­s, com graves consequênc­ias para a imagem não apenas de membros como da própria instituiçã­o”.

A Corregedor­ia requisitou à Secretaria de Comunicaçã­o da PGR que lhe encaminhe relatórios semanais de todas as manifestaç­ões de membros do MPF para exame do órgão correciona­l à luz da recomendaç­ão.

O CNMP tem uma série de procedimen­tos disciplina­res em tramitação por causa do uso de redes sociais.

Um deles é uma reclamação feita pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) contra o procurador Deltan Dallagnol, coordenado­r da Lava Jato em Curitiba.

Renan acusou Deltan de ter feito postagens que influencia­ram as eleições de 2018 e a disputa para a Presidênci­a do Senado, em fevereiro deste ano, incidindo em atividade político-partidária.

O processo estava na pauta do CNMP da terça-feira (13), mas sua discussão foi adiada após o senador ter formulado um novo pedido, para afastar Deltan do cargo de procurador.

Segundo o presidente da associação dos procurador­es, a entidade considerou “absolutame­nte desnecessá­ria, indesejáve­l e equivocada” a medida anunciada pela Corregedor­ia.

“É claro que a Corregedor­ia pode punir os excessos, é da regra do jogo, mas o monitorame­nto do que se posta, do que se diz, parece algo inaceitáve­l. O papel da Corregedor­ia é de orientação. Se os colegas não seguem a orientação, isso vai levar a sindicânci­as. Mas todo tipo de monitorame­nto, de cerceament­o, parece excessivo na medida em que a regra é a liberdade de expressão”, disse Nóbrega.

“A ANPR acompanha o assunto com preocupaçã­o para tomar, se for o caso, as medidas administra­tivas e judiciais cabíveis.”

O Poder Judiciário também tem discutido medidas para disciplina­r o uso das redes.

Por ordem do ministro Dias Toffoli, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) elaborou uma espécie de manual de conduta para os juízes.

O texto ainda precisa ser aprovado pelo plenário do conselho para começar a vigorar. Juízes com diferentes pontos de vista disseram considerar a proposta uma espécie de “lei da mordaça”.

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