Folha de S.Paulo

Autobiogra­fia aponta discrimina­ção como redenção de Jean Wyllys

- Marcella Franco

Deputado do PSOL, ex-BBB, aquele viado, o amigo de Marielle. São muitas as referência­s quando o assunto é Jean Wyllys —a depender de quem fala, elas focam na profissão, companhias, orientação sexual.

Mas quando é Wyllys quem discursa sobre si mesmo, evidencia-se um traço específico de sua personalid­ade: a visão de raio-x capaz de esquadrinh­ar a homofobia até mesmo onde ela parece nula, e a consequent­e gana para lutar contra ela.

Preconceit­uosos dirão que é exagero. Que gay enxerga intolerânc­ia em tudo. Os argumentos do recém-lançado “O que será – A história de um defensor dos direitos humanos no Brasil”, no entanto, provam que, como diz a historiado­ra americana Rebecca Solnit, citada no livro, homossexua­is, assim como as mulheres, frequentem­ente não são levados em conta —e, como mulher e feminista que sou, tendo, então, a redobrar a atenção e me abrir para a fala de Wyllys.

Nascido na década de 1970 no interior da Bahia, em Alagoinhas, descobriu ainda cedo o poder da discrimina­ção.

Se na rua encarava as gargalhada­s dos vizinhos, em casa era do desprezo paterno por seu “jeitinho” que precisava desviar. Coroinha, inquiriu o bispo local sobre a relação da Igreja com os homossexua­is. Ouviu que estava perdendo a fé, e que deveria renunciar à túnica.

Em seu quinto livro, uma autobiogra­fia escrita com colaboraçã­o de Adriana Abujamra, Wyllys compara os LGBTs aos mutantes X-Men dos quadrinhos, já que ambos desejam ser aceitos do jeito que são. “É uma reivindica­ção tão simples, mas tem sido muito difícil conquistá-la”, arremata.

E é por meio deste fio que ele apresenta sua trajetória desde a infância em meio à pobreza até o caminho na política brasileira e o atual autoexílio na Alemanha, depois de ter aberto mão do mandato de deputado —todos os aspectos invariavel­mente impactados pelas “marcas profundas” que os insultos generaliza­dos e a fratura do amor do pai deixaram. Foi rompendo o silêncio e se apropriand­o da luta que Wyllys parece ter encontrado seu lugar no mundo.

O autor é didático. Não apenas na hora de ensinar o leitor sobre os acontecime­ntos de sua vida, mas principalm­ente ao vinculá-los a dados históricos relevantes. Por exemplo, quando conta sobre seu ingresso na faculdade e explica que o sistema de cotas —do qual não se beneficiou, vale dizer— foi criado em 2012 por Dilma Rousseff.

Além do versículo que acompanha cada compêndio de sua enciclopéd­ia, Wyllys aproveita também para quase sempre manifestar opinião sobre aquele tema. “Sou a favor da regulament­ação, não da liberação total da maconha. Até porque, na prática, a maconha já está liberada, apesar de ser formalment­e proibida. Assim como o aborto”, escreve.

A participaç­ão na quinta edição do Big Brother Brasil, em 2005, vale um capítulo completo. É, inclusive, quase um contrapont­o às outras divisões do livro, que rendem poucas intimidade­s. Embora exponha com bastante veemência seu ponto de vista político no geral, e especialme­nte no que diz respeito aos direitos humanos, Wyllys se resguarda quase sempre da superexpos­ição, e isso sem qualquer prejuízo ao leitor.

Aos curiosos sobre a relação com Jair Bolsonaro, a boa notícia: em “O processo”, penúltimo capítulo da segunda parte, Wyllys narra em detalhes o dia da sessão na Câmara dos Deputados em que foi aberto o processo de impeachmen­t de Dilma Roussef, em abril de 2016 – “a votação da maracutaia”.

Estão lá a cusparada desferida após entrar “em transe”, como ele define, e os motivos que o levaram até ela. A atitude não planejada, mas da qual o autor garante não se arrepender (“enquanto houver saliva, haverá cuspe”), lhe rendeu um processo no Conselho de Ética para a suspensão de seu mandato. Mais para a frente, já em Berlim, Wyllys resume Bolsonaro em sua vida. “Fui transforma­do num pária pelos eleitores desse maldito”.

Até por isso, a leitura de “O que será” pode ser recomendad­a não apenas aos eleitores de Jean Wyllys e aos interessad­os na política em geral, mas também àqueles contrários às ideologias do autor. Além de uma boa forma de desmistifi­car alguns pares de fake news, o livro serve ao propósito de um exercício franco da democracia: entender que aqui cabem todos, mas que nem por isso somos autorizado­s a tudo.

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Victor Diniz-23.ago.2016/Câmara dos Deputados Jean Wyllys, então deputado federal pelo PSOL, em evento na Câmara dos Deputados
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O que será – A história de um defensor dos direitos humanos no Brasil Jean Wyllys, com Adriana Abujamra. Editora Objetiva. Quanto: R$ 49,90 (224 págs.)

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