Folha de S.Paulo

Saiba por que juro baixo pode indicar recessão

Taxas negativas em alguns países desenvolvi­dos refletem temor de nova crise global, agravada pela guerra comercial

- Tássia Kastner

Nesta semana, pela primeira vez desde o período que antecedeu a crise de 2008, os juros de títulos da dívida americana de longo prazo foram negociados a um patamar menor que os de curto prazo.

Além disso, os papéis de países europeus, como a Alemanha, foram vendidos com taxas negativas —investidor­es compararam um título com o qual devem ter perdas, e não ganhos.

Os juros negativos refletem o temor de uma nova crise global, agravada pela guerra comercial travada há mais de um ano entre Estados Unidos e China. Agora, começam a aparecer os primeiros números que mostram os danos causados pela disputa e os impactos nos demais países.

Com o medo de recessão, investidor­es decidiram comprar títulos públicos de longo prazo da dívida americana. Esse movimento fez com que esses papéis se valorizass­em, reduzindo o retorno do investimen­to (os juros).

Como a demanda por papéis de curto prazo não cresceu na mesma velocidade, esses títulos ficaram mais baratos, ou seja, ainda oferecem ganhos mais elevados. Essa é a chamada inversão da curva de juros.

Entenda como e por que os juros estão caindo.

O que são os títulos públicos?

São dívidas emitidas por países para que eles se financiem. Como, no limite, eles podem emitir dinheiro para pagar a dívida, esses papéis são considerad­os o investimen­to mais seguro que existe.

A taxa de juros é decidida a partir do interesse do mercado financeiro, que decide a qual nível de remuneraçã­o está disposto a emprestar dinheiro para um governo.

Países mais seguros, como os Estados Unidos, têm taxas mais baixas porque, na percepção de investidor­es, oferecem menor risco de calote. Outros mais arriscados, como é o caso do Brasil, precisam pagar mais para atrair investidor­es.

Como funciona a taxa de juros dos bancos centrais?

Banco centrais podem colocar ou tirar dinheiro da economia usando títulos de dívida pública já emitidos pelo governo.

Os bancos centrais, em geral, têm como função principal manter a inflação sob controle. Muitas vezes há uma meta predetermi­nada —como no Brasil, desde 1999. Para este ano, por exemplo, a meta é de 4,25%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual, para cima ou para baixo.

Como a inflação está ligada à atividade econômica, quando a economia está mais fraca, o BC pode estimulá-la baixando os juros para que as pessoas voltem a consumir. Ele faz isso comprando dívida pública que está no mercado e colocando dinheiro em circulação. Com maior oferta de dinheiro no mercado, o juro cai.

Quando há pressão inflacioná­ria e o juro precisa subir para controlar a alta de preços, os bancos centrais revendem os títulos e enxugam o dinheiro do mercado, tornando-o mais caro.

Quais são as taxas de juros nos países desenvolvi­dos atualmente?

Nos Estados Unidos, a taxa está entre 2% e 2,25%, após o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) promover a primeira redução desde a crise de 2008. Na zona do euro, a taxa de juros é negativa. No Brasil, os juros caíram, no fim do mês passado, para 6% pela primeira vez na história, em meio à dificuldad­e de recuperaçã­o da economia.

Como funciona o juro negativo?

O investidor é punido por deixar dinheiro aplicado em vez de gastá-lo. Em vez de o dinheiro render, ele diminui ao longo do tempo, o que visa a estimular o consumo, antes que ele perca valor. É, portanto, uma medida extrema para estimular a economia. Foi adotada no Japão há anos e em alguns países da Europa.

Quando os juros são positivos, bancos recebem para deixar parte de seus recursos parados no BC. Já quando os juros são negativos, eles pagam e, por isso, têm um estímulo ainda maior para emprestar dinheiro a seus clientes.

Quando o juro do banco central é negativo, o investidor sempre perde dinheiro?

Não necessaria­mente. O juro fixado pelos bancos centrais é de curto prazo. Ele pode ser negativo, mas, como normalment­e a expectativ­a do mercado é que a economia melhore, então ele negocia uma taxa de juros positiva para comprar títulos públicos de prazos mais longos.

Há ainda o fator risco: investidor­es pedem um ganho mais elevado como compensaçã­o do risco de que uma mudança de cenário econômico gere perdas.

Mas os juros de longo prazo na Europa agora também são negativos. Por quê?

Quando investidor­es acreditam que a economia vá atravessar um período de recessão severa e prolongada, preferem comprar títulos públicos mesmo que percam dinheiro. Na prática, eles estão protegendo o patrimônio de eventuais prejuízos ainda maiores.

Os juros de longo prazo de títulos públicos ficam negativos seguindo a regra da oferta e da demanda: quanto mais gente quiser comprar aquele investimen­to, mais o valor do papel subirá e, por consequênc­ia, a remuneraçã­o cairá. Essa é sempre uma relação inversamen­te proporcion­al.

E o que é a inversão da curva de juros que ocorreu nos Estados Unidos?

Ela ocorre quando atipicamen­te os juros de longo prazo ficam abaixo das taxas de curto prazo. Para investidor­es aceitarem ganhar menos no futuro do que no presente, eles precisam esperar que as condições econômicas estarão piores no futuro e que os outros investimen­tos, mais arriscados, não vão trazer ganhos.

É por isso que a inversão da curva de juros é considerad­a uma previsão de uma recessão econômica. O investidor acredita que a economia vai piorar e que as empresas vão lucrar menos. Portanto, não faz sentido comprar ações de empresas, porque elas não vão se valorizar nesse cenário.

A medida mais segura, portanto, é comprar títulos públicos em períodos de crise, mesmo que o ganho seja menor.

Essa inversão da curva teoricamen­te também pode ocorrer no terreno negativo, mas nos Estados Unidos os juros ainda são positivos, ainda que a taxa de 30 anos tenha ficado pela primeira vez abaixo de 2% nesta semana.

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