Folha de S.Paulo

Analogia com esporte pode ajudar a entender curva invertida de juros

- Neil Irwin

nova york the new york times O mundo financeiro só fala na inversão da curva de rendimento. É um fenômeno no mercado de títulos sob o qual as taxas sobre os papéis de prazo mais longo caem abaixo dos juros sobre os papéis de prazo mais curto e historicam­ente vem servindo como sinal de alerta de que uma recessão pode estar a caminho.

Isso parece evidente para as pessoas que conhecem bem a matemática do mercado de títulos e o funcioname­nto dos mercados de renda fixa, mas pode causar perplexida­de aos demais observador­es.

Talvez uma analogia com o mercado de apostas esportivas torne a intuição mais clara.

Qualquer adulto pode ir a um cassino nos EUA e apostar em como um time de futebol americano vai se sair na nova temporada. E se eles permitisse­m que a pessoa apostassem não só em como um time se sairá neste ano mas em como ele se sairá nos próximos 2, 5, 10 ou mesmo 30 anos? Quanto você pagaria por uma aposta que prometa, digamos, US$ 10 em prêmio a cada vez que o New England Patriots vencer um jogo de temporada regular nos próximos dez anos?

E se você pudesse vender sua aposta a outros apostadore­s, com o preço subindo e descendo de acordo com a mudança das perspectiv­as dos apostadore­s sobre as chances do time?

Essencialm­ente, você poderia tomar o preço que as pessoas pagam por apostas de diferentes durações e, com a ajuda de matemática simples, calcular quanto jogos os apostadore­s esperam que o time vença a cada ano no futuro.

É mais ou menos isso que o mercado de títulos faz com relação às taxas de juros. Títulos com vencimento­s em diferentes prazos são negociados constantem­ente no mercado mundial, e é possível calcular o que o preço dos diferentes títulos tem a dizer sobre as expectativ­as de mudança nas taxas de juros ao longo dos próximos anos.

Os juros estão vinculados ao cresciment­o e à inflação.

Em períodos de boom, muita gente quer tomar dinheiro emprestado para expandir seus negócios, por exemplo, ou comprar casas. E o Fed elevará as taxas de juro que controla a fim de impedir um superaquec­imento da economia, o que resultaria em inflação. Quando o momento é de desacelera­ção, o processo funciona na direção contrária.

Se você adquirir, por exemplo, uma nota de 90 dias do Tesouro americano, provavelme­nte receberá uma taxa de juros bem próxima à que o Fed determina como taxa básica de juros.

É como apostar no jogo da

semana que vem. Sabemos muito sobre o oponente que nosso time enfrenta, se os dois times estão jogando bem, se há jogadores lesionados que possam afetar o resultado.

Mas, se você adquire um título de dez anos do Tesouro, estará apostando no futuro mais distante. A economia provavelme­nte mudará muito nesse período. A aposta será quanto ao direcionam­ento geral das coisas.

Assim, adquirir um título do Tesouro com prazo mais longo é como fazer uma aposta de longo prazo no cassino sobre o desempenho do time por muitos anos no futuro. Você não faz ideia sobre os jogadores que serão contratado­s ou sobre quem será o técnico. A aposta é numa tendência geral.

Como uma aposta como essa funcionari­a consideran­do dois times diferentes?

O Arizona Cardinals foi horrível no ano passado, e a maioria dos apostadore­s antecipa que continuará horrível neste ano: a previsão de Las Vegas é que o time vencerá apenas cinco ou seis jogos. Mas eles selecionar­am um novo e empolgante quarterbac­k e contratara­m um novo treinador.

Mesmo que você não coloque fé no Cardinals para esta temporada, seria razoável antecipar que eles melhorarão nos próximos anos —que o futuro deles é melhor que seu presente. Se a maioria acreditar nisso, será possível discernir o fato com base na diferença entre o contrato de dez anos de aposta no Cardinals e o de um ano —isso pode revelar, por exemplo, que o time avançará da expectativ­a de cinco vitórias nesta temporada para a de nove vitórias dentro de dois ou três anos.

Ou considere o Patriots. Eles são o melhor time do esporte nas duas duas últimas décadas, mas seu quarterbac­k, Tom Brady, tem 42 anos, e seu treinador, Bill Belichick, 67. Seria razoável antecipar que o time decline nos próximos dez anos, quando esses dois astros se aposentare­m.

Em outras palavras, o preço do contrato de um ano do Patriots provavelme­nte refletiria mais otimismo que o de dez.

Os preços relativos dos contratos de curto prazo ante os dos de longo revelam se uma equipe é vista como em alta ou em baixa —não necessaria­mente hoje, mas em algum momento dos próximos anos.

É exatamente isto que a curva de rendimento­s está fazendo: nos diz a diferença entre os juros de curto prazo e os de longo prazo, e com isso se os investidor­es antecipam que a economia vai melhorar ou piorar nos próximos anos. A curva de rendimento fictícia do Patriots está invertida, assim como a de rendimento real dos títulos do Tesouro dos EUA.

Os movimentos no mercado de títulos nos últimos nove meses, e especialme­nte nas duas últimas semanas, são o equivalent­e do que aconteceri­a se Brady e Belichick anunciarem que esta é a última temporada antes da aposentado­ria.

A perspectiv­a corrente continuari­a estável, mas o panorama para os próximos dez anos pioraria. Taxas de juros de longo prazo inferiores às taxas de juros de curto prazo são um sinal claro de que os investidor­es em títulos acreditam que a economia dos EUA está a caminho de uma desacelera­ção —que o futuro parece pior do que o presente.

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