Doria deixa no papel maioria de suas promessas para segurança pública
Na lista de propostas do tucano, não há uma que preveja a redução da letalidade policial.
Mas “Doria não é o Witzel”, afirma o coronel José Vicente da Silva Filho.
Ex-secretário nacional de Segurança Pública, ele deixou a campanha do tucano por discordar da ampliação da Rota, a tropa de elite da Polícia Militar, mas vê Doria como mais moderado que o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), autor da frase “a polícia vai mirar na cabecinha e... fogo”.
“Acabou a campanha, acabou o discurso. Não houve ruptura do sistema que havia. Os projetos que estavam em andamento continuaram”, diz Silva Filho.
Para o coronel da reserva, um exemplo de ação exitosa do governo foi a transferência de 22 líderes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) para presídios federais em fevereiro. “Depois, não houve mortes, fugas, motins. É um resultado positivo”, afirmou.
Camila Nunes Dias, professora da UFABC e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, discorda.
“O PCC já adquiriu uma forma de atuar que independe de pessoas específicas. O sistema segue superlotado e em péssimas condições”, diz. Ela critica iniciativas para aumentar a população carcerária e a ideia de conceder unidades à iniciativa privada.
“Estamos assistindo exemplos catastróficos do Maranhão e do Amazonas.”
Os agentes penitenciários vêm pressionando a gestão tucana, inclusive com protestos em frente ao Palácio dos Bandeirantes. Eles querem que os servidores aprovados em concurso sejam nomeados —desde que assumiu, Doria não nomeou nenhum carcereiro— e que a categoria seja beneficiada com o aumento para profissionais da segurança pública.
O presidente do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), Dimitri Sales, vê com preocupação o que chama de “processo de criminalização dos movimentos sociais”, e cita como exemplo a ação da PM, que entrou em um evento fechado do PSOL sem mandado, no dia 3 de agosto, no centro da capital. Ou a retirada pela PM do torcedor do Corinthians que xingou Bolsonaro, na arquibancada do estádio do clube, em Itaquera, um dia depois.
Para quem vive nas periferias, aumentou a sensação de medo, com um dia a dia de abordagens da polícia mais truculentas.
“Os caras não pedem nem mais o documento, já saem batendo”, diz Jesus dos Santos, 34, do Jardim Brasil, zona norte da capital. Ele é parte do coletivo Casa do Meio do Mundo e co-deputado pela Bancada Ativista na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).
Em Parada de Taipas, também na zona norte, “tem mais polícia na rua e ações de repressão contra eventos organizados pela juventude, como bailes funk”, diz Fernando Ferreira, 36, educador social e membro da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio.
A política de criminalização dos pobres e pretos sempre existiu, afirma o articulador social Carlos Alberto de Souza Júnior, que vive no Jardim Angela, no extremo sul da capital. “Mas agora o governador diz que pode matar e os profissionais da segurança pública se acham no meio de uma guerra com a população”, afirma.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que as abordagens “são regulamentadas pelos respectivos procedimentos operacionais padrão das instituições e aplicadas de acordo com a legislação” e o “uso de armas longas é facultado exclusivamente aos policiais devidamente habilitados”.
Eventuais abusos, diz a pasta, podem ser registrados nas corregedorias.