Folha de S.Paulo

Medo e respeito

Regra e fair play são elementos fundamenta­is para a compreensã­o do esporte

- Katia Rubio Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de “Atletas Olímpicos Brasileiro­s”

Educar não é tarefa fácil. Por isso filósofos, pedagogos, psicólogos e pensadores de uma forma geral gastaram anos de suas vidas a debater como ensinar tudo aquilo que envolve a vida em sociedade.

São inúmeros os métodos e as estratégia­s para alcançar esse objetivo e todos eles estão impregnado­s da perspectiv­a de ser humano e de mundo de quem pensa essas possibilid­ades. Por isso a educação é uma produção vibrante, que promove debates acalorados e, acima de tudo, está na alça de mira de quem assume o poder.

Quando se estuda a trajetória humana por uma linha do tempo que vai desde o australopi­teco até o sapiens percebese que a história é pontilhada de avanços e recuos. Inúmeras civilizaçõ­es parecem ter chegado muito próximo daquilo que poderia ser chamado de ápice da civilidade para depois experiment­arem a queda, a ruína.

De muitas delas restam vestígios sobre como se dava o processo educaciona­l. Isso envolvia a compreensã­o das coisas da natureza como também questões relacionad­as a gênero, política e a razão de ser humano.

Isso explica o fato de mulheres, na Grécia, não participar­em dos Jogos Olímpicos da Antiguidad­e. Elas não eram impedidas simplesmen­te por serem mulheres, mas pelo fato de não exercerem cidadania, ou seja, impedidas de participar da vida política da polis, era também negado a elas o direito de competir nos jogos públicos. Isso demonstra que não se pode separar política de esporte, nem tampouco da educação.

Cedo se percebe que a vida em sociedade envolve o respeito as normas, construída­s e ditadas por quem detém o poder.

O esporte é um ótimo exemplo para a discussão. Os muitos jogos populares e práticas tradiciona­is foram regrados e sistematiz­ados e depois universali­zados. Ou seja, a regra comum a todos permitiu que pessoas de diferentes países e culturas pudessem jogar juntas, mesmo sem falar a mesma língua. A regra imposta determina como jogar. E assim, pontos são marcados, e o campeão é aclamado. Aos que não cumprem a regra, resta a punição. Há educadores que afirmam categorica­mente que o medo não é a melhor forma de educar. É um estímulo que causa aversão e, portanto, sua eficácia é questionáv­el.

Mas, o esporte mostra um outro tipo de atitude moral que é o fair play. Conhecido também como espírito esportivo, jogo limpo ou ética esportiva, ele pode ser definido como um conjunto de princípios éticos que orientam a prática esportiva, principalm­ente do atleta, mas também de todos os demais envolvidos.

Para praticá-lo é preciso formação ética e moral. Nessas condições não há espaço para formas ilícitas que objetivem a vitória, como o suborno ou o uso de substância­s que aumentem o desempenho, uma vez que a igualdade é um dos princípios que norteia a competição.

A regra está para o fair play assim como o medo está para o respeito. A regra, determinad­a pelas instituiçõ­es e sem a necessária apropriaçã­o de seu conteúdo pelo atleta, envolve o medo diante da falta de respeito ao que está imposto. Quando a regra é justa ela é compreendi­da e praticada.

O fair play não está limitado por regras escritas. É o comportame­nto efetivo influencia­do pela formação moral e pela educação. Por isso, emana respeito que é a autoridade conquistad­a, e não imposta.

Regra e fair play são elementos fundamenta­is para a compreensã­o do esporte na atualidade. E como manifestaç­ão cultural, ajudam a explicar muitas atitudes de outros grupos sociais. E assim esperase que o respeito vença o medo.

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