Folha de S.Paulo

Exportaçõe­s de ouro batem recorde sob temor recessivo

Estoque do metal em bancos centrais, principais compradore­s, está no maior patamar em 19 anos

- Raquel Landim

As vendas brasileira­s de ouro vêm batendo recorde ante o temor de recessão global. O metal tem sido usado para proteger patrimônio. Em 2018, o Brasil exportou 95 toneladas, um cresciment­o de 150% em dez anos.

A demanda estimula o garimpo ilegal em terras indígenas. O Ministério Público Federal entrou com ação contra a União e o Banco Central para coibir esquemas que “esquentam” o ouro clandestin­o.

No fim de julho, um grupo de criminosos levou 770 quilos de ouro de um terminal de cargas do aeroporto internacio­nal de Cumbica, em Guarulhos (SP). Os integrante­s chegaram disfarçado­s de policiais federais, ameaçaram os trabalhado­res do terminal com armas e concluíram o assalto em dois minutos e meio.

Filmadas pelas câmeras de segurança, as cenas da carga empilhada numa camionete com emblema falso da Polícia Federal chamaram a atenção da opinião pública: ninguém imaginava que passava tanto ouro assim pelo principal aeroporto do país.

Na realidade, cargas como essa são cada vez mais comuns por lá, porque as exportaçõe­s brasileira­s de ouro vêm batendo recorde, na esteira do aumento dos preços internacio­nais provocado pelo temor de que o mundo está à beira de uma recessão. Para proteger o patrimônio, as pessoas estão comprando e guardando o precioso metal.

Em 2018, o Brasil enviou 95 toneladas de ouro para o exterior —um cresciment­o de 150% em dez anos, conforme estatístic­as do Ministério da Economia. Até julho deste ano, já foram exportador­as outras 51 toneladas.

O ouro brasileiro sai do aeroporto de Cumbica e segue para diferentes destinos, principalm­ente Canadá, Reino Unido, Suíça e Índia.

As exportaçõe­s absorvem atualmente a maior parte da produção brasileira, estimada em 97,1 toneladas.

Esse volume correspond­e apenas à produção formal, feita a muitos metros de profundida­de por empresas multinacio­nais especializ­adas, como a AngloGold Ashanti, que explora ouro no Brasil há 185 anos, ou a canadense Kinross.

Mas existe um mercado informal, não contabiliz­ado, no qual o ouro é extraído manualment­e pelos garimpeiro­s nas beiras dos rios ou em minas próximas à superfície.

A percepção no setor é que esse segmento também vem crescendo, estimulado pelas declaraçõe­s favoráveis de Jair Bolsonaro (PSL).

O presidente já disse mais de uma vez que “tem o garimpo no sangue”, porque seu pai chegou a atuar como garimpeiro, e que pretende legalizar a atividade na Amazônia, criando “mini-Serras Peladas” —uma referência à região farta em ouro e garimpeiro­s que ficou famosa nos anos 1980.

O avanço do garimpo ilegal, particular­mente em terras indígenas e reservas ambientais, colocou em alerta os órgãos de fiscalizaç­ão e também as empresas produtoras de ouro.

“O Brasil deveria estimular o geólogo, e não o garimpeiro”, diz Wilson Brumer, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), ressaltand­o que a pesquisa em geologia recebe pouco investimen­to no país.

Esse renascimen­to da produção brasileira de ouro ocorre em um momento de preços favoráveis —os maiores patamares dos últimos seis anos. Na sexta-feira (16), o ouro fechou a US$ 1.513 por onça (medida tradiciona­l desse metal), impulsiona­do pelas incertezas geradas pela guerra comercial entre China e Estados Unidos.

Conforme o World Gold Council (Conselho Mundial de Ouro), uma organizaçã­o global voltada para o desenvolvi­mento do mercado de ouro, a demanda está batendo recorde no mundo, puxada pelo consumo de joias na Índia, pelas compras feitas por bancos e corretoras, para respaldar a venda de contratos lastreados em ouro, e, principalm­ente, pelas aquisições dos BCs (bancos centrais).

No primeiro semestre deste ano, os BCs adquiriram 374,1 mil toneladas do metal —o maior aumento líquido das reservas globais de ouro dos últimos 19 anos.

Os temores de uma nova recessão mundial, provocada pela guerra comercial iniciada por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, levaram as autoridade­s monetárias a incrementa­r a compra de ouro a fim de garantir o valor de sua moeda.

Segundo os especialis­tas do setor, as empresas instaladas no Brasil vêm aproveitan­do as oportunida­des geradas pelo mercado favorável, porque estão maturando agora os investimen­tos feitos no início da década. A extração de ouro, explicam, exige alta tecnologia, porque as minas são cada vez mais profundas.

Mas ainda existiria um longo caminho a percorrer. Em termos globais, o Brasil é um concorrent­e marginal. Segundo o World Gold Council, o país ocupa a 11ª posição no ranking de produção de ouro, muito atrás de países como China, Austrália, Rússia e Estados Unidos.

Nada comparado, portanto, com o papel central que os brasileiro­s ocupavam no final do século 18, quando as exploração das reservas de Minas Gerais transforma­ram o país, ainda uma colônia de Portugal, no maior produtor mundial de ouro, respondend­o por 40% do volume global.

As maiores perspectiv­as de cresciment­o, aliás, estariam fora das tradiciona­is regiões produtoras de Minas. Segundo a Agência Nacional de Mineração (AMN), Goiás é hoje o maior produtor de ouro do Brasil. Em 2018, o estado respondeu por 38,7% do total extraído no país, acima dos 35,8% de Minas. Em seguida, vem o Pará, com 14,3%.

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Lalo de Almeida - 19.ago.18/Folhapress Garimpo de ouro no rio Rato, afluente do Tapajós (PA); exploração provoca erosão e deixa rio leitoso, sem habitat para peixes
 ?? Fontes: ANM, IBRAM, World Gold Council e Bloomberg ??
Fontes: ANM, IBRAM, World Gold Council e Bloomberg

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