Folha de S.Paulo

Pasta da Economia muda de titular na Argentina em crise

Recessão no mundo rico ainda é dúvida, mas dinheiro grosso foge para as montanhas

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

O presidente Mauricio Macri substituiu o ministro da Economia da Argentina, Nicolás Dujovne, por Hernán Lacunza, titular da pasta em Buenos Aires. Dujovne criticava medidas heterodoxa­s anunciadas por Macri.

Nestes dias de muvuca nos mercados financeiro­s, correu a história de que o terceiro maior banco da Dinamarca, o Jyske, passou a oferecer empréstimo­s a taxas de juros negativas a quem queira comprar uma casa. Isto é, quem pegar 100 dinheiros emprestado­s terá de pagar pouco mais de 95 dinheiros, ao final de dez anos.

E daí se há algo de doido no reino da Dinamarca? E o Brasil, a China, os Estados Unidos? Há muito chute sobre a recessão americana, que dirá sobre seu impacto por aqui. A anedota dinamarque­sa pelo menos diz algo sobre a finança do mundo.

O banco dinamarquê­s empresta dinheiro a juros negativos porque pode tomar emprestado a taxas ainda menores, mais negativas, como também na Alemanha, na Suíça ou no Japão. Na prática, quem empresta dinheiro ao governo alemão por dez anos perde 0,5% ao ano. Há montes de dinheiro sem uso no mundo rico, por medo de risco ou falta de onde aplicar em economias que se arrastam, e o povo anda na pindaíba.

Nos Estados Unidos, a taxa do título do Tesouro de dez anos caiu para perto de mínimas históricas na semana passada, mas ainda positivas, cerca de 1,5% ao ano (pagava 3% ao ano ainda em novembro).

Medo de recessão, de colapso financeiro e especulaçã­o leva investidor­es, dos caseirinho­s aos fundos soberanos gigantes da Ásia, a fugir de aplicações de risco em tese maior e a comprar títulos de governo, do americano em especial, o que eleva seus preços e reduz seu rendimento (é a mesma coisa).

São atitudes mais ou menos baseadas na ideia de que os grandes bancos centrais vão baixar suas taxas de juros ou recorrer a heterodoxi­as (como fazem desde 2008) a fim de conter uma recessão.

Como as taxas americanas já estão baixas, especula-se que os Estados Unidos podem até entrar no clube do juro nominal negativo. Juros em baixa, de qualquer modo, valorizari­am ainda mais os títulos da dívida, compensand­o a aposta ou o medo prudente de quem acredita na hipótese de recessão. É o chute especulati­vo que movimenta este agosto, mas que começou lá por março.

Há quem acredite que o risco de recessão é exagerado, apesar da evidente desacelera­ção nos EUA, da Alemanha já estagnada e do fraquejo chinês, tudo piorado pela desordem demente causada por Donald Trump.

Se der chabu, haveria vacinas à mão, diz o otimista. Além da ação do Fed, em setembro o Banco Central Europeu anunciaria outro pacote heterodoxo. A China viria em breve com seu terceiro megapacote de estímulo desde a crise de 2008.

Bolhas financeira­s e dívida, juro zero, emissão maciça de dinheiro e a força da China, em especial, seguraram o cresciment­o das últimas décadas, cresciment­o ruim no mundo ocidental, com repressão braba de salários.

Agosto pode ter sido apenas um pânico feio. Mas, em caso de recessão, algum desses arranjos vai funcionar? Taxas de juros próximas de zero já não fazem muito efeito. O efeito da China no cresciment­o mundial diminui.

Economista­s reputados no establishm­ent mundial pregam aumento de dívida e investimen­to públicos, no caso de países com bom crédito e com juro zero ou perto disso (isto é, onde o custo do endividame­nto é, no curto prazo, nenhum).

Olivier Blanchard, do MIT, ex-FMI etc., por exemplo, tem tratado disso este ano inteiro e recomendou explicitam­ente aos europeus que adotem tal programa. Se a ameaça de recessão crescer e não sobrevier algum colapso financeiro, essa conversa de mais gasto vai pegar.

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