Folha de S.Paulo

BOLSONARO PARTICIPA DA FESTA DO PEÃO DE BARRETOS

Presidente e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, em evento no interior de SP

- Ricardo Della Coletta

Em meio aos gestos de interferên­cia do presidente Jair Bolsonaro (PSL) na chefia da Polícia Federal no Rio, deputados ligados à instituiçã­o prometem reforçar no Congresso a articulaçã­o para fazer avançar uma proposta que garante autonomia funcional e administra­tiva à corporação.

Pauta encampada pela ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal), uma PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) nesse sentido foi apresentad­a em 2009, mas nunca avançou na Casa.

A redação sugerida altera a Constituiç­ão para estabelece­r que uma lei complement­ar “organizará a polícia federal e prescrever­á normas para a sua autonomia funcional e administra­tiva e a iniciativa de elaborar sua proposta orçamentár­ia dentro dos limites estabeleci­dos na lei de diretrizes orçamentár­ias”.

Seus apoiadores dizem que a PEC garantiria mais recursos para as investigaç­ões e reduziria a exposição da corporação a interferên­cias políticas.

Críticos, por outro lado, dizem que o projeto é amplo demais, que a PF hoje já conta com um alto grau de autonomia e que, como instituiçã­o armada do Estado, precisa estar subordinad­a ao Executivo.

A proposição encontra-se hoje na CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça) e está sendo relatada pelo presidente do colegiado, deputado Felipe Francischi­ni (PSL-PR).

Embora diga não ver relação entre a ingerência do presidente na instituiçã­o e a articulaçã­o em defesa da PEC, Francischi­ni promete trabalhar “pesadament­e na aprovação” nas próximas semanas.

“Eu não acompanhei muito essa questão sobre a Polícia Federal do Rio. Mas essa PEC da autonomia da PF é de extrema importânci­a. Eu sempre disse que eu estava esperando passar essa pauta econômica para poder trabalhar pesadament­e na aprovação da PEC”, diz o parlamenta­r.

O presidente da CCJ —que é filho do deputado estadual do Paraná e delegado licenciado da Polícia Federal Fernando Francischi­ni (PSL)— afirma que nas próximas semanas vai definir se fica com a relatoria da proposta ou se a transfere para um outro parlamenta­r, para então colocar o tema em pauta no colegiado.

Outro que defende a aprovação da proposição é o deputado Felício Laterça (PSLRJ), também delegado da PF.

Ele diz não ver problemas na manifestaç­ão do presidente Bolsonaro que desatou a crise com a instituiçã­o. Porém, quer aproveitar a repercussã­o do caso para tentar impulsiona­r o projeto.

“É uma bandeira que vamos levar ao presidente Bolsonaro, até em relação ao ocorrido. Vamos falar também com o presidente da Câmara, reunir os outros colegas que são da PF, policiais, que entendem a relevância, para a gente pautar e conseguir essa tão sonhada autonomia”, acrescenta.

Diante das falas de Bolsonaro, o presidente da ADPF, Edvandir Felix de Paiva, diz que “nunca foi tão clara” a necessidad­e de se votar a PEC.

“Outros órgãos, como a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal, têm autonomia administra­tiva. Eles que nomeiam os cargos internos sem precisar passar pelo governo.”

Ele espera que as reações às declaraçõe­s de Bolsonaro sejam um impulso para a matéria no Congresso.

A PEC, no entanto, não é consensual dentro das diferentes carreiras da PF.

Marcos Camargo, presidente da APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais), argumenta que a PF já tem sua autonomia e que o texto proposto é “amplo e aberto” demais.

“É como se fosse um cheque em branco. Você não sabe quais são as regras e os limites”, pontua.

Ele diz que há problemas na redação da proposta, como a retirada do trecho da Constituiç­ão que classifica a PF como “órgão permanente”.

“A Lava Jato é um exemplo da autonomia que a PF tem.” a colegas, de pressões e interferên­cias políticas na instituiçã­o.

“Venho relatar o que está ocorrendo, pois existem forças externas que não coadunam com os objetivos de fiscalizaç­ão da RFB [Receita Federal do Brasil], pautados pelo interesse público e defesa dos interesses nacionais”, escreveu José Alex Nóbrega de Oliveira, o delegado da alfândega do Porto de Itaguaí (RJ).

O local, região metropolit­ana do Rio de Janeiro, tem sido palco de uma crise entre auditores da Receita e o governo.

O delegado declarou ter sido surpreendi­do há cerca de três semanas, quando o superinten­dente da Receita no Rio de Janeiro, Mario Dehon, o teria informado de que havia uma indicação política para assumir a alfândega do porto.

Dehon, segundo ele, não teria concordado com a pressão do governo Bolsonaro para substituir Oliveira por um auditor com pouca experiênci­a para o cargo. Por isso, segundo a mensagem, o superinten­dente agora corre o risco de ser exonerado do posto “em represália a essa atitude”.

Bolsonaro tem reclamado publicamen­te da atuação da Receita Federal e teria partido do próprio presidente o pedido para substituiç­ão na delegacia da alfândega do Porto de Itaguaí e outros postos da Receita.

Procurado, o Planalto ainda não se manifestou sobre o caso. Neste sábado (17), o presidente participou de evento em Resende (RJ) e esteve na Festa do Peão de Barretos (SP), mas não falou sobre as intervençõ­es em órgãos federais.

Na mensagem, o auditor contou ainda que a Receita tinha dificuldad­es em encontrar quem quisesse assumir a função. O cargo está ligado a investigaç­ões de ilícitos praticados por milícias. O porto, relata Oliveira, é local de entrada de mercadoria­s vindas da China e exportação à Europa.

A Receita Federal está sob pressão e, por isso, o governo estuda até uma reestrutur­ação no órgão.

O Sindifisco (sindicato nacional dos auditores-fiscais da Receita) reagiu e cobrou uma defesa do ministro Paulo Guedes (Economia).

“A possível exoneração de um superinten­dente por tal razão é algo jamais visto, ao menos desde o período de redemocrat­ização do país”, afirmou em nota.

“Essa medida, somada aos ataques vindos do STF [Supremo Tribunal Federal], do TCU [Tribunal de Contas da União], às recentes declaraçõe­s do presidente da República e à omissão do ministro Paulo Guedes na defesa do Fisco Federal, tem potencial de formar no órgão uma tempestade perfeita, tornando-o totalmente ingovernáv­el.”

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Ricardo Benichio/Folhapress Jair Bolsonaro, ao participar da Festa do Peão em Barretos (SP), neste sábado

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