Folha de S.Paulo

Temor global

Ameaças à expansão econômica agitam mercados; à diferença de outros países, Brasil tem espaço para reduzir juros, mas não para ampliar gastos

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Sobre guerra comercial e riscos de nova recessão.

A economia mundial passa novamente por um período turbulento. Num quadro de persistent­e letargia da atividade, o acirrament­o dos conflitos comerciais entre Estados Unidos e China aumenta os riscos de uma nova recessão.

Os sinais nesse sentido se avolumaram nos últimos meses, com indicadore­s sugerindo menor cresciment­o nas duas potências em disputa, enquanto na Europa já parece se instalar uma —até agora pequena— retração industrial.

À diferença do que ocorreu em outros episódios, como a crise de 2008, os desequilíb­rios financeiro­s não se mostram com tanta clareza agora. Deve-se considerar a hipótese de que a expansão do Produto Interno Bruto global venha simplesmen­te a perder velocidade, caindo de 3,5%, média anual da última década, para algo como 2,5%.

O clima nos mercados, de todo modo, é de grande ansiedade. Os juros globais têm atingido novas mínimas. Na semana passada, a taxa do papel de 30 anos do Tesouro americano caiu abaixo de 2% ao ano pela primeira vez na história.

Quase todos os países da zona do euro já se financiam com taxas negativas em prazos mais curtos. Na Alemanha, o cidadão paga 0,65% ao ano pelo privilégio de emprestar por dez anos a seu governo.

Trata-se de um quadro inédito e de difícil explicação. Um decênio de expansão monetária bastou para reduzir o desemprego, mas não produziu aceleração de salários nem demanda exuberante, de consumo ou investimen­tos.

A inflação segue abaixo das metas dos principais bancos centrais. Os analistas começam a questionar o que resta de munição nos arsenais das autoridade­s monetárias, caso seja necessário novo combate.

Se ainda é cedo para um veredito, já surgem sugestões de uma nova rodada de inovações para estimular a economia. Organizaçõ­es insuspeita­s, como o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacio­nal, pedem maior protagonis­mo dos governos, com expansão de gastos públicos e cortes de impostos, sobretudo na Europa.

Seria um erro transpor tais receitas para o Brasil, no entanto. Aqui ainda resta consideráv­el espaço para cortar o custo do dinheiro e assegurar que essa redução chegue aos tomadores finais.

A perspectiv­a atual é que a taxa Selic, do Banco Central, caia a apenas 5% nos próximos meses, o que tende a trazer algum estímulo à atividade econômica. Nessas condições, o investimen­to privado em infraestru­tura pode surpreende­r.

Com ampla ociosidade produtiva, alto desemprego e inflação baixa, o BC deve aproveitar ao máximo a oportunida­de. Cumpre evitar, por outro lado, a tentação de medidas que impliquem relaxament­o do controle das despesas, condição necessária para que o Estado assegure sua solvência.

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