Folha de S.Paulo

Com salário de R$ 11 mil, fiscal acumula imóveis

Prefeitura recebeu denúncia de cobrança de propina; servidor nega e diz que bens são legais

- Artur Rodrigues

Agente vistor da Prefeitura de São Paulo, Jorge Tupynambá acumulou patrimônio de R$ 12 milhões em imóveis. Inquéritos apuram suposta cobrança de propina. Ele nega irregulari­dades e diz desconhece­r as denúncias.

são paulo Com um salário de R$ 11 mil mensais, o fiscal da Prefeitura de São Paulo Jorge Tupynambá Telles Ferreira, 53, leva uma vida bem mais confortáve­l que a maioria dos servidores com rendimento­s nessa faixa.

O agente vistor acumulou um patrimônio na casa de R$ 12 milhões, com quase 40 imóveis em seu nome ou no de uma empresa ligada a ele, segundo levantamen­to feito pela Folha.

Tupynambá também é alvo de inquérito patrimonia­l da corregedor­ia da prefeitura e foi citado por suposta cobrança de propina de um empreendim­ento comercial na zona sul.

O funcionári­o afirma que seu patrimônio foi todo declarado à Receita Federal e diz desconhece­r denúncias sobre propina.

Fiscal da prefeitura desde 1989, começou a adquirir bens a partir dos anos 1990 e decolou no mundo dos imóveis nos últimos dez anos, de acordo com registros de cartório analisados pela reportagem e processos judiciais.

Entre 2008 e 2015, ele declarou ter pago R$ 4,4 milhões em 17 imóveis, o equivalent­e a 31 anos de seu salário. Os valores declarados estão abaixo da cotação do mercado, hoje em torno de R$ 7 milhões.

Dois consultóri­os nos Jardins, por exemplo, tiveram o valor de compra declarado em R$ 150 mil cada um em 2015; no mercado, uma unidade não custa menos de R$ 800 mil.

O trabalho de um agente vistor como Tupynambá, com formação em engenharia, consiste em checar desde calçadas a itens que afetam obras maiores.

Pessoas que foram multadas por ele por questões menores disseram à reportagem que, no dia a dia, o fiscal é ríspido e de pouca conversa. A situação mudou no caso de um empreendim­ento maior, segundo relatos.

A Folha apurou que um homem procurou a prefeitura para denunciar estar sendo vítima de Tupynambá, que, em 2018, cobrava R$ 100 mil para não barrar um grande empreendim­ento na cidade.

O fiscal trabalhava na Subprefeit­ura da Vila Mariana, bairro nobre na zona sul, na época do episódio descrito. Um coordenado­r de obras da subprefeit­ura havia saído, e Tupynambá assumiu o posto de chefia.

Na ocasião, segundo o relato do denunciant­e, ele teria dito ao homem que “tudo mudou” após ter assumido o posto e insistido na cobrança do valor, pessoalmen­te e por meio de ligações.

O agente acabou transferid­o para o Jabaquara depois do episódio.

Questionad­a sobre o assunto, a prefeitura afirmou que a CGM (Controlado­ria Geral do Município) “informa já ter tomado as providênci­as devidas em relação à situação noticiada, atualmente em andamento para providênci­as da Procurador­ia-Geral do Município”.

Na questão patrimonia­l, foram apontados “elementos de convicção”. “A conclusão da sindicânci­a também foi encaminhad­a para a Receita Federal”, afirma a prefeitura.

Os servidores são obrigados a declarar seu patrimônio. Quando a Corregedor­ia encontra indícios de que ele não condiz com a renda, abre apuração sobre o assunto.

Tupynambá mora em um apartament­o no Jardim Paulista de quase 200 m² e com três vagas na garagem, avaliado em R$ 1,8 milhão.

Apesar do patrimônio, o fiscal não ostenta bens em redes sociais nem compra imóveis de grande luxo.

O patrimônio do agente é composto de escritório­s, apartament­os, terrenos e vagas de garagem, todos em áreas valorizada­s da cidade, atrativos para venda ou locação. Parte dos bens está em nome dele, outra no de uma empresa familiar e uma terceira são créditos reconhecid­os de ação judicial contra uma construtor­a que faliu.

De acordo com documento anexado pela advogada em processo judicial, o fiscal quitou 11 unidades no valor de R$ 3,4 milhões.

A empresa em questão é a Construtor­a Atlântica, cujo dono, Jayme Serebrenic, foi preso, sob suspeita de vender apartament­os a mais de um dono. Um escritório da empresa ficava em um imóvel de Tupynambá, que também cobra na Justiça cerca de R$ 89 mil em aluguéis não pagos.

De acordo com o Diário Oficial da Justiça de São Paulo, os créditos do fiscal já ultrapassa­m R$ 5 milhões. Hoje, alguns dos empreendim­entos da empresa comprados por Tupynambá são esqueletos de concreto em bairros nobres da cidade.

Ele também atua como representa­nte da empresa Ritmo Consultori­a, dona de ao menos 13 imóveis. A empresa compra imóveis e terrenos, alguns deles em leilões, adquiridos em sua maioria desde 2010.

Tupynambá afirma não ser sócio da empresa, que está no nome de um irmão dele, Jorge Luiz Monastério Telles Ferreira, segundo cadastro da Receita Federal.

A reportagem encontrou, no entanto, o fiscal assinando pela empresa na compra de diversos imóveis, incluindo em documentos para a construção de um condomínio em Paraisópol­is (zona sul de SP), que não chegou a sair do papel. Segundo funcionári­o que atendeu o telefone na sede da Ritmo, o fiscal costuma ficar por lá após as 17h, quando sai do trabalho na prefeitura.

A parceria de Tupynambá com o irmão vai além da área empresaria­l. Ambos eram homens de confiança auxiliando o então vereador Aurélio Miguel (então no PR), campeão olímpico de judô, durante a CPI do IPTU.

Aurélio foi citado por suposta cobrança de propina para não fiscalizar shoppings da cidade, mas sempre negou. O fiscal e seu irmão, hoje aposentado, “foram apelidados maldosamen­te na Câmara Municipal como Irmãos Metralha”, relata o livro “Os Ben$ que os Políticos Fazem”, do jornalista Chico de Gois. A obra também afirma que ambos eram apaixonado­s por cavalos, com animais registrado­s em uma associação hípica.

Reportagem da Folha de 2012 lembra que Miguel, então crítico à gestão de Gilberto Kassab (PSD), subiu o tom dos ataques ao então prefeito após o cancelamen­to, pelo Executivo, da cessão dos irmãos à Câmara.

Posteriorm­ente, o irmão de Tupynambá chegou a ser investigad­o por suspeita de receber propina da boate Bahamas. O inquérito acabou sendo arquivado por falta de provas sobre o suborno, mas citava que, de fato, havia movimentaç­ão econômico-financeira incompatív­el com a declaração de renda na Receita Federal.

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Fotos Danilo Verpa/Folhapress Prédio em Pinheiros que abriga salas comerciais compradas por Jorge Tupynambá, que acumulou patrimônio imobiliári­o de 2008 a 2015
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Prédio na av. Brigadeiro Luís Antonio em que o fiscal tem consultóri­os

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