Folha de S.Paulo

Acabou o dinheiro

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

O presidente Jair Bolsonaro corretamen­te destacou o grave quadro das finanças públicas na sexta-feira (16). “O Brasil inteiro está sem dinheiro. Os ministros estão apavorados.” Ainda comentou que o “Exército vai entrar em meio expediente”, pois não tem recursos nem mesmo para pagar a alimentaçã­o dos recrutas.

O problema decorre do cresciment­o acelerado das despesas obrigatóri­as, indexadas aos índices de preços ou às receitas do governo.

Os números são preocupant­es. Mais de 90% da receita primária federal é destinada a pagamento de despesas determinad­as por lei e 60% tem regras de reajuste, crescendo entre R$ 30 e R$ 35 bilhões por ano.

Esse cresciment­o não incorpora o aumento do gasto decorrente do envelhecim­ento da população e o maior pagamento de benefícios previdenci­ários, apenas parcialmen­te mitigados pela reforma a ser aprovada pelo Senado.

Os 60% de despesas indexadas crescem para 70% quando se incorpora o mínimo legal de gasto público com educação, saúde, fundos constituci­onais e emendas parlamenta­res.

Esse cresciment­o acelerado do gasto público obrigatóri­o reduz os recursos disponívei­s para as demais despesas públicas, como pagamento de bolsas de estudo, BolsaFamíl­ia, alimentaçã­o de recrutas do Exército ou as despesas com itens comezinhos, como a conta de luz das universida­des ou a confecção de passaporte­s.

Por isso, o governo teve de pedir autorizaçã­o ao Congresso este ano para elevar sua dívida a fim de pagar benefícios como o Bolsa-Família. O dinheiro simplesmen­te acabou.

A continuar essa trajetória, o endividame­nto do governo poderá sair de controle, com a volta da inflação acelerada ou o não pagamento de obrigações assumidas. Quem viveu os anos 1980 sabe das consequênc­ias.

O problema ficará ainda pior ano que vem, pois o conjunto dos gastos obrigatóri­os crescerá acima da inflação. A crise fiscal é grave, e o presidente faz bem em ressaltar o problema.

Reformas são necessária­s para interrompe­r o cresciment­o do gasto obrigatóri­o. Assim como o presidente, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, tem procurado alertar sobre a gravidade das contas públicas, enfatizand­o o risco de agravament­o caso, por exemplo, sejam concedidos novos reajustes para os servidores.

No curto prazo, o governo pode aumentar a meta de déficit primário deste ano para aliviar as restrições que prejudicam diversas políticas públicas essenciais.

Sem enfrentar o problema estrutural do cresciment­o do gasto obrigatóri­o e das despesas vinculadas, porém, vai faltar dinheiro bem mais do que para a alimentaçã­o de recrutas.

Hora de parar com o autoengano.

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