Folha de S.Paulo

Contra o cientificí­dio

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Jair Bolsonaro mandou demitir o chefe de um órgão científico do governo porque não gostou dos dados por ele aferidos. Não foi a única atitude cientifici­da do presidente, que quer pôr mais armas nas mãos da população e acabar com os radares de velocidade, para citar apenas duas de suas iniciativa­s que vão contra a melhor literatura técnica disponível.

Um bom contrapont­o ao anti-intelectua­lismo bolsonaria­no é “This View of Life” (esta visão da vida), de David Sloan Wilson, em que o biólogo americano defende que o darwinismo passe a orientar todas as nossas decisões sobre políticas públicas.

Sim, leitor, também achei que Wilson exagera um pouco —nem tudo, afinal, é um problema biológico—, mas, ao contrário de Bolsonaro, o cientista produz argumentos para sustentar suas teses. A ideia central de Wilson é que políticas públicas, como outras manifestaç­ões culturais, também são um produto da evolução biológica e, por isso, devem ser analisadas à luz do darwinismo, que é a teoria de tudo da biologia.

Wilson dedica um capítulo a mostrar que o darwinismo social, acusação que provavelme­nte ocorreu ao leitor, não foi bem o que as pessoas imaginam que foi. Nos demais, desfila interessan­tes exemplos de como uma interpreta­ção evolutiva de fenômenos tão variados quanto a miopia e a produtivid­ade de galinhas pode nos ajudar a resolver problemas concretos.

O autor faz o salto da genética para a sociedade com certa tranquilid­ade porque, diferentem­ente dos biólogos mais ortodoxos, para os quais a seleção atua principalm­ente no nível de genes e indivíduos, ele é um firme defensor da seleção de grupo, que descreve como verdadeira mão invisível a promover o bem-estar das pessoas.

É uma visão bastante otimista, calcada, penso, não só em ciência mas também em fé. De todo modo, é uma leitura instrutiva e que gera bons insights, mesmo que não compremos o pacote completo.

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