Folha de S.Paulo

Os cadáveres de Witzel

- Bruno Boghossian

Wilson Witzel plantou atiradores em torno de favelas do Rio, despachou policiais em helicópter­os para metralhar as ruas e sonhou até em lançar um míssil para despedaçar bandidos na Cidade de Deus. Com pose valente, promete não recuar. Falta saber quando ele vai demonstrar um pingo de preocupaçã­o com os moradores desses lugares.

O ex-juiz resolveu tratara morte de inocentes em tiroteios entre traficante­s e a polícia como um contratemp­o insignific­ante. Após uma semana especialme­nte violenta, sua equipe disse lamentar essas ocorrência­s “e todas as outras que possam acontecer”. Witzel, nem isso.

Atrás de alguém para culpar, o governador pisou nos corpos das vítimas e fez deles um palanque. “Pseudodefe­nsores dos direitos humanos não querem que a polícia mate quem está de fuzil, mas aí quem morre são os inocentes. Esses cadáveres não estão no meu colo, estão no colo de vocês”, afirmou, na sexta (16).

Além de indecente e desumano, o comentário não faz sentido, já que nenhum defensor dos direitos humanos impediu a polícia de Witzel de continuar matando. E muitos inocentes permanecem na linha de tiro.

A necropolít­ica do ex-juiz carrega, na essência, essa maneira indiferent­e de encarar uma população que ele também deveria proteger. Em sua plataforma, a morte de moradores é vista só como o efeito colateral do trabalho para livrar uma favela do tráfico, como um buraco aberto na rua para uma obra. “Desculpe o transtorno”, e nada mais.

O governador quer confundir. Ações de inteligênc­ia, políticas de prevenção social e de presença do Estado em áreas vulnerávei­s, investimen­tos na elucidação de crimes e o aperfeiçoa­mento da gestão carcerária poupariam vidas de civis e policiais. Mas só a retórica do banguebang­ue alimenta o marketing.

Witzel gosta de fazer propaganda da coragem com que enfrenta criminosos. Se não quiser aceitar as consequênc­ias e assumir a responsabi­lidade pelas mortes de inocentes, é melhor procurar outro emprego.

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