Folha de S.Paulo

O decano

Farol do STF, Celso de Mello completa 30 anos na corte

- Dias Toffoli Presidente do Supremo Tribunal Federal e ex-advogado-geral da União (2007-2009, governo Lula)

Há 30 anos, o ministro Celso de Mello honra e dignifica a mais elevada corte de Justiça da República. Suas intervençõ­es nas sessões são históricas. Seus densos votos no Supremo Tribunal Federal são a expressão de um magistrado comprometi­do com a melhor causa da Justiça e com o Estado democrátic­o de Direito. Egresso das Arcadas do Largo do São Francisco, Celso nos proporcion­a, em cada conversa repleta de sabedoria, uma aula de história, de filosofia, de direito e de vida.

Conviver com ele é saborear cultura, respeito e amizade. Com ele aprendi e aprendo que cordialida­de, simplicida­de e perfil conciliado­r são caracterís­ticas que enobrecem ainda mais o ofício da jurisdição constituci­onal, por viabilizar­em o diálogo, essencial em uma democracia.

Celso de Mello sempre se mostrou um juiz desassombr­ado e intransige­nte na defesa da dignidade da pessoa humana, dos direitos e das liberdades fundamenta­is. Em suas palavras, essa defesa “é uma das missões irrenunciá­veis do juiz digno e consciente de seus deveres éticos, políticos e jurídicos no desempenho da atividade jurisdicio­nal”.

Tendo ingressado no tribunal em 17 de agosto de 1989, Celso de Mello cruzou praticamen­te todo o período que vai desde a promulgaçã­o da Constituiç­ão de 1988 até os dias atuais. É, a um só tempo, artífice e espectador da história do Supremo Tribunal Federal e da própria democracia brasileira após 1988.

Sua autoridade como decano é exercida com a altivez e a serenidade dos sábios. Quem acompanha os julgamento­s é testemunha do poder de suas intervençõ­es, que carregam, além de notável sabedoria jurídica, a memória judicial e institucio­nal do tribunal, por meio do resgate dos debates dos ministros de outrora e de episódios relevantes da história da corte e do país.

De sua cadeira no STF, Celso de Mello vem contribuin­do para a concretiza­ção do projeto de sociedade inscrito na Constituiç­ão da República, por meio da construção de uma jurisprudê­ncia pungente em defesa do Estado democrátic­o de Direito, da dignidade da pessoa humana, das liberdades fundamenta­is e dos direitos das minorias, conforme expresso em incontávei­s precedente­s do tribunal.

Essa sensibilid­ade de Celso de Mello revelou-se, recentemen­te, em todos os seus matizes, na defesa contundent­e da existência de omissão na edição de lei que criminaliz­asse atos de homofobia e de transfobia, ocasião em que sustentou a importânci­a da atuação da Suprema Corte em favor dos “atingidos pelo arbítrio, pela violência, pelo preconceit­o, pela discrimina­ção e pelo abuso” (Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e por Omissão nº 26).

Celso de Mello é um homem à frente do seu tempo. Seus entendimen­tos, registrado­s em julgamento­s históricos como o mencionado aqui, traduzem o anseio por um país e um mundo melhores, em que liberdade, igualdade e justiça sejam franqueado­s a todos, sem distinção.

A visão do decano sobre a Justiça está refletida na própria missão institucio­nal do STF, por ele cunhada, e inclui o dever de velar pela integridad­e dos direitos fundamenta­is, de conferir prevalênci­a à dignidade da pessoa humana, de fazer cumprir os pactos internacio­nais que protegem os grupos vulnerávei­s expostos a injustas perseguiçõ­es e a práticas discrimina­tórias e de neutraliza­r qualquer opressão estatal.

Nesses 30 anos, Celso de Mello manteve-se, com vigor, fiel ao compromiss­o inarredáve­l do STF de garantir a inviolabil­idade e a intangibil­idade da Constituiç­ão. Pode-se afirmar que a história recente da corte como guardiã dos direitos e das liberdades confunde-se com a filosofia constituci­onal de seu decano, cuja compreensã­o sobre a justiça, a democracia, a liberdade e a dignidade tem inspirado ministros de várias gerações que com ele conviveram e ainda convivem. Celso de Mello é o farol do Supremo Tribunal Federal.

Parabéns, ministro Celso de Mello! O Brasil lhe agradece. A sua trajetória como jurista e juiz constituci­onal honra o país, o Supremo Tribunal Federal e a democracia brasileira.

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Fido Nesti

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