Folha de S.Paulo

Diálogo no Telegram é como cafezinho, não é ilegal, diz advogado sobre Moro

Criminalis­ta que atua na Lava Jato afirma que não houve desvio de conduta em conversas de ex-juiz

- Felipe Bächtold

Os aplicativo­s de troca de mensagem substituír­am as conversas informais entre juiz e promotor nos fóruns, e o hábito não pode ser visto como uma irregulari­dade, diz o advogado Luís Carlos Dias Torres, 47.

Torres atua com clientes da Lava Jato desde o primeiro ano da operação, em 2014, e não considera que tenha havido desvio de conduta por parte do ex-juiz Sergio Moro e dos procurador­es da forçataref­a do Ministério Público Federal no caso das mensagens divulgadas desde junho pelo site The Intercept Brasil e por outros veículos de imprensa, como a Folha.

Ele defende, entre outros clientes, o ex-executivo da OAS Agenor Franklin Medeiros, que se tornou delator e foi um dos principais acusadores do ex-presidente Lula no caso tríplex de Guarujá (SP).

O criminalis­ta contesta colegas e diz que o ex-magistrado, hoje ministro da Justiça, esteve disposto a receber também advogados para discutir circunstân­cias da operação, assim como fazia com os investigad­ores.

Para Torres, o rigor das decisões de Moro decorre do perfil punitivist­a dele enquanto magistrado, e não de uma falta de imparciali­dade provocada por um suposto elo com os investigad­ores.

O procurador Deltan Dallagnol está com sua posição ameaçada na Lava Jato. Os processos julgados por Sergio Moro correm risco de ser anulados. Qual será o futuro da operação e as consequênc­ias para

ela? Acho pouco provável que os processos sejam anulados por uma suposta falta de imparciali­dade de Moro.

Posso falar do que vi, nos casos em que eu atuei. Houve várias absolviçõe­s, concessão de benefícios. Moro deu várias decisões a favor das defesas, e muitas vezes o Ministério Público teve que recorrer. Nunca presenciei nenhum tipo de falta de imparciali­dade de Moro.

Vejo que ele, como juiz, tem posições firmes. Não concordo com muitas das posições jurídicas dele. Mas não acho que isso derive de uma falta de imparciali­dade, do contato com o Ministério Público.

Se for olhar a forma como ele decide, as interpreta­ções dele da lei, sempre foram nesse sentido mais duro. Ele não é um juiz garantista, como dissemos na advocacia. É um juiz duro, mais punitivo. Vejo esses contatos com o Ministério Público como absolutame­nte normais.

Existe uma crítica de que ele não falava nessa mesma frequência com as defesas. Não posso falar pelos outros. Posso falar pelo que eu vivenciei: todas as vezes em que eu precisei falar com o doutor Sergio Moro, eu fui atendido. Marquei, discuti o caso com ele. Ele sempre me recebeu, me ouviu e tal.

Não quero dizer que sou especial, é um testemunho daquilo que sempre aconteceu. Nunca tive problema nem com ele nem com o doutor Danilo [Pereira Júnior], juiz da execução penal. A mesma coisa quando fui despachar memoriais no Tribunal Regional Federal [de segunda instância].

Geralmente a relação entre juiz e advogado é mais distante. Não é tão próxima quanto a do juiz com o promotor.

Mas essa abertura dele não era em decorrênci­a de uma postura mais colaborati­va do réu? Outros advogados tinham posição de bastante enfrentame­nto. Pode ser. Nunca adotei essa posição de enfrentame­nto. Até porque, analisando tecnicamen­te, ela fatalmente iria caminhar para uma condenação muito dura do meu cliente.

As provas nesse caso são clarividen­tes, não são só as palavras dos colaborado­res. Tem muita prova documental, quebra de sigilo, testemunho­s, documentos arrecadado­s em busca e apreensões.

Nós, advogados, ouvíamos os depoimento­s, era uma vergonha, uma corrupção escancarad­a, sórdida. Quando você, enquanto advogado, olha um cenário desses, partir para a defesa clássica, a negação, não acho que seja o caminho.

O sr. é crítico à maneira como seus colegas estão reagindo ao escândalo das mensagens para defender seus clientes. Não posso fazer uma avaliação crítica do trabalho dos meus colegas porque não conheço quais são as estratégia­s.

Só não acho que essas mensagens tenham essa relevância toda. Não revelam falta de imparciali­dade do Moro. Revelam comunicaçõ­es com o Ministério Público, que são normais.

Acho que as posições do Moro são muito claras, sempre foram essas. São mais pró-acusação do que pró-defesa, mas sempre foram. Não foram esses contatos entre MPF [Ministério Público Federal] e Moro que fizeram com que ele mudasse suas posições.

Mas à medida que ele sugere uma testemunha durante uma investigaç­ão, auxilia em relação a como uma procurador­a reage durante a inquirição... Você está me pedindo para comentar uma mensagem que eu nem sei se é verdadeira, que nem sei se foi trocada. Tenho uma reserva muito grande em relação ao conteúdo dessas mensagens porque elas foram obtidas criminosam­ente.

As pessoas que fizeram isso estão presas e são muito audazes. Pessoas que grampeiam e obtêm mensagens trocadas entre importante­s autoridade­s do país são muito perigosas, não têm limites. Não acredito que fizeram isso por mero desafio.

Acho que o doutor Vallisney [Oliveira, juiz no DF] foi muito feliz na decisão em que manteve a prisão preventiva dessas pessoas. Precisa entender melhor a motivação para fazer esse tipo de coisa. E explicar a origem de determinad­as quantias bastante relevantes na conta deles.

É duro emprestar qualquer valor positivo ou negativo a essas mensagens porque nem sei se são verdadeira­s. Não sei se Moro aconselhou a ouvir testemunha, não sei se teve esse tipo de coisa.

Não era tudo muito informal, por meio de troca de mensagens em aplicativo? Essas conversas são sempre muito informais. A conversa que o juiz tinha com o promotor no fórum, no cafezinho, entre uma audiência e outra, é muito informal.

O WhatsApp é uma coisa de anos para cá. As pessoas hoje se comunicam por WhatsApp mais do que por telefone. O WhatsApp é uma linguagem informal, só que fica registrada. Aqueles contatos que sempre acontecera­m entre juízes e promotores, informais, que eram falados, às vezes por telefone, hoje são feitos por WhatsApp.

Tenho “n” mensagens trocadas com a força-tarefa da negociação do acordo [de colaboraçã­o de seu cliente]. É a maneira como as pessoas hoje se comunicam. Eu particular­mente nem gosto, prefiro ligar. Essa comunicaçã­o, se é que é verdadeira, ela espelha a comunicaçã­o que sempre existiu, só que era presencial.

Isso vai mudar o comportame­nto de procurador­es e advogados em relação a essas comunicaçõ­es? Sim. Isso aconteceu com o telefone. Um tempo atrás, existia muita quebra de sigilo telefônico, e houve uma mudança na maneira de as pessoas falarem por telefone, se preocupava­m com o que estavam falando. Depois vieram os aplicativo­s de mensagem e todo mundo começou a falar por eles. Essa história toda mostra que é importante tomar cuidado com o que se fala, como se escreve.

Esses aplicativo­s dão a sensação de um ambiente mais informal, mais descontraí­do, e às vezes se perde essa noção. Se está tratando de assuntos profission­ais, mesmo que por um aplicativo, tem que imprimir um grau de profission­alismo na maneira como você está se comunicand­o.

Eu troquei minutas de acordo [de colaboraçã­o] por Telegram. Eu achava que estava dentro de um ambiente da mais alta confidenci­alidade. E estava. Mas quebraram criminosam­ente. Isso sim é grave.

Tentar encontrar, dentre milhares de mensagens, uma que sugeriria uma perda da imparciali­dade do juiz é olhar o problema sob uma ótica muito estreita, míope. O problema não diz respeito a isso. Diz respeito à quebra do sigilo de comunicaçõ­es das mais altas autoridade­s.

Se acontece com uma expresiden­te da República, o que dirá com nós? Tem que ter uma punição exemplar.

Aqueles contatos que sempre acontecera­m entre juízes e promotores, informais, que eram falados, às vezes por telefone, hoje são feitos por WhatsApp. Tenho ‘n’ mensagens trocadas com a força-tarefa da negociação do acordo

As posições do Moro sempre foram essas. São mais próacusaçã­o do que pró-defesa, mas sempre foram. Não foram esses contatos entre MPF e Moro que fizeram com que ele mudasse suas posições

 ?? Danilo Verpa/Folhapress ?? Luís Carlos Dias Torres, 47
Advogado criminalis­ta formado pela Faculdade de Direito da Universida­de de São Paulo. Exerce a profissão há 25 anos e é sócio do escritório Torres Falavigna, que atua na Lava Jato no Paraná desde o primeiro ano da operação, em 2014
Danilo Verpa/Folhapress Luís Carlos Dias Torres, 47 Advogado criminalis­ta formado pela Faculdade de Direito da Universida­de de São Paulo. Exerce a profissão há 25 anos e é sócio do escritório Torres Falavigna, que atua na Lava Jato no Paraná desde o primeiro ano da operação, em 2014

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