Folha de S.Paulo

O embaixador Eduardo Bolsonaro

O essencial é o julgamento da relação que papai Bolsonaro quer ter com os EUA

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Jair Bolsonaro é um mágico. Baixa o nível do debate dos assuntos públicos, trata de cocô e não discute os 12 milhões de desemprega­dos. É ajudado pela oposição que aceita sua agenda ilusionist­a. Um bom exemplo desse fenômeno é a qualidade do debate em torno da indicação de seu filho 03 para a embaixada do Brasil em Washington.

É nepotismo? Sem dúvida. O que isso quer dizer? Pouco. O ditador nicaraguen­se Anastasio Somoza nomeou o genro, Guillermo Sevilla Sacasa, para Washington. Um craque, tornou-se decano do corpo diplomátic­o e atravessou os mandatos de oito presidente­s. O xá do Irã mandou para os Estados Unidos um cunhado e Ardeshir Zahedi foi um grande embaixador. As monarquias do Golfo mandam seus filhos para Washington e, com a ajuda do poder de petróleo, eles têm mais sucesso que outros embaixador­es árabes.

Há o nepotismo das ditaduras e há compadrio das democracia­s. Bill Clinton mandou Jean Kennedy Smith (irmã do falecido presidente) para a embaixada na Irlanda, e Barack Obama mandou Caroline Kennedy ( filha de John) para a do Japão (uma meteu-se em encrencas, a outra foi irrelevant­e). Isso para não falar de Pamela Harriman, mandada por Clinton para a França. Seu mérito foi ajudá-lo na campanha. Fora disso, foi uma cortesã, mulher do filho de Winston Churchill e colecionad­ora de milionário­s, de Averell Harriman a Gianni Agnelli, passando por Ali Khan, Elie de Rothschild e Stavros Niarchos.

Juscelino Kubitschek nomeou Amaral Peixoto embaixador em Washington. Genro de Getúlio Vargas, se tornara um cacique na política nacional. “Alzirão” saiu-se bem no cargo. Como ele, Eduardo Bolsonaro ganhou a embaixada depois de ter chegado ao Congresso pelo voto popular. Amaral Peixoto falava pouco e nunca disse bobagens do tipo “fritei hambúrguer­es”.

A indicação do 03 para a embaixada foi aplaudida pelo presidente Donald Trump. Como muita gente não gosta de Trump nem dos Bolsonaros, isso foi visto como um demérito. Na realidade, 03 conseguiu algo que nenhum embaixador brasileiro teve, pois o aplauso do governante do país para onde vai o novo representa­nte é tudo o que se quer. Não se pode ver defeito nessa trumpada. A Inglaterra gostava de saber que John Kennedy era grande amigo do embaixador David Ormsby-Gore (mais tarde, ele quase casou com a viúva). Se Trump perder a reeleição, pode-se trocar o embaixador, zero a zero e bola ao centro.

03 será sabatinado pela Comissão de Relações Exteriores do Senado. Ali, todos poderão mostrar suas qualificaç­ões.

Os senadores perguntand­o e o deputado respondend­o. Afinal, se “diplomacia sem armas é como música sem instrument­os”, ele vai para Washington tocar chocalho. Nepotismo e trumpismo serão aspectos subsidiári­os. O essencial é o julgamento da relação que papai Bolsonaro quer ter com os Estados Unidos.

Em 2015, o plenário do Senado rejeitou o embaixador Guilherme Patriota, designado por Dilma Rousseff. Mas esse resultado teve mais a ver com a fraqueza do governo do que com a capacidade do diplomata.

Pamela Harriman foi aprovada por unanimidad­e na Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, viveu feliz em Paris, teve um derrame na piscina do hotel Ritz e morreu dias depois.

Palocci em 2002 e 2008

O comissário Antonio Palocci prestou 23 depoimento­s à Polícia Federal e agora conhece-se o resumo de suas confissões. Se cada fio da meada tivesse sido puxado (ou se vier a ser puxado), o efeito dessas revelações poderia ter sobre o andar de cima de Pindorama o efeito de dez Lava Jatos.

Nas confissões de Palocci entrou todo o mundo. Provas, até agora, nada, salvo nas traficânci­as de sua consultori­a de fachada. O juiz Sergio Moro começou a Operação Lava Jato puxando um fio que saía de um posto de gasolina, mas dificilmen­te a proeza se repetirá. Uma das confissões do ex-ministro ilustra a resiliênci­a da impunidade do andar de cima.

No seu 13º depoimento Palocci contou que em 2008 sua empresa embolsou R$ 100 mil por ter ajudado a empresa Parmalat a liberar um crédito no Banco do Brasil.

Seis anos antes, quando Antonio Palocci era prefeito de Ribeirão Preto (SP), justificou a exigência de latas e “molho de tomate refogado e peneirado, com ervilhas” numa licitação para a compra de 40.500 cestas sociais, informando que ele era produzido por uma empresa-companheir­a, mas também pela Parmalat. Era uma mentira convenient­e para quem conduzia uma licitação viciada.

Àquela altura Palocci era o coordenado­r da campanha de Lula, pois o titular, Celso Daniel, havia sido assassinad­o.

No telhado

Do alto do telhado, o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, poderá avaliar o tamanho do tombo que arrisca tomar.

Bolsonaro não poderia ter sido mais claro: “Por enquanto está muito bem”.

Temer fala

O ex-presidente Michel Temer gravou em vídeo um depoimento de 16 horas ao professor Denis Lerrer Rosenfield.

Reduzido a sete horas, será dividido em episódios e ficará pronto em setembro.

Passados oito meses do retorno de Temer à planície, reaparece a cena do marechal Castello Branco quando lia críticas ao seu governo que terminava e lembrava-se do tenor vaiado numa ópera que dizia à plateia:

“Esperem o barítono”.

Núcleo pensante

Durante o mandarinat­o petista falava-se num “núcleo duro” formado por alguns ministros. Agora surgiu outra denominaçã­o. Existiria um “núcleo pensante” de generais com gabinete no Planalto.

À parte o “núcleo falante”, encarnado por Bolsonaro, Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Abraham Weintraub (Educação), falta aparecer o “núcleo operante”, aquele que abre a quitanda, vende berinjelas e tem troco para a freguesa.

Blairo avisa

Blairo Maggi tem as credenciai­s dos sonhos dos agrotroglo­ditas. É bilionário, é do ramo, ganhou a “motosserra de Ouro” do Greenpeace, governou Mato Grosso e foi ministro da Agricultur­a.

Numa entrevista ao repórter Cristiano Zaia, avisou que, a troco de nada, a retórica do governo está atrapalhan­do os negócios do Brasil.

Nas suas palavras: “O governo não fez nenhuma mudança aqui internamen­te, não facilitou a vida de ninguém, no entanto estamos pagando um preço muito alto. Acho que teremos problemas sérios.”

O “núcleo pensante” precisa conversar mais com o “núcleo falante”.

Alice Canabrava

O ministro Paulo Guedes pergunta: “Desde quando o Brasil precisa da Argentina para crescer?”

A historiado­ra Alice Canabrava (1911-2003) respondeu em 1942, quando concluiu sua tese de doutorado “O Comércio Português no Rio da Prata, 1580-1640”. Desde quando o Rio mandava para lá negros escravizad­os e recebia a prata dos Andes.

Diplomacia

Em menos de um ano, a diplomacia bolsonaria­na já arrumou encrencas nos seguintes países, por ordem alfabética:

Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Chile, Cuba, França, Irã, Israel, Paraguai, Noruega e Venezuela.

 ?? Juliana Freire ??
Juliana Freire

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil