Folha de S.Paulo

A palavra do coprófilo

O Brasil está sem dinheiro porque está sem governo

- Janio de Freitas Jornalista DOM. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari | qui. Fernando Schüler | sex. Reinaldo Azevedo | sáb. Demétrio Magnoli

“O Brasil está sem dinheiro / os ministros estão apavorados / estamos aqui tentando sobreviver”. Dessa vez Jair Bolsonaro não mentiu, mas não é bem como disse. O Brasil está sem dinheiro porque está sem governo. E sem governo não há país que sobreviva como algo que seja ainda considerad­o país.

Faltam dinheiro e governo porque, com a produção industrial em queda contínua, o comércio em queda, queda até nos serviços e o crescente desemprego, a arrecadaçã­o de impostos e outras contribuiç­ões não alcança o mínimo necessário. Colapso a que Paulo Guedes, Bolsonaro e os militares retornados assistem com indiferenç­a imobilizad­ora há quase nove meses. A solução que Guedes pesca em sua perplexida­de é o seu apelo por dois ou três anos de paciência.

Em economia não existe o conceito de paciência. Na vida dos países, muito menos.

Muito diferente foi o assegurado aos eleitores na campanha, pelo candidato, por Guedes, por consultori­as e jornalista­s do apoio a Bolsonaro. Durante meses, ouviu-se que já neste primeiro ano de governo o cresciment­o econômico seria de 3%, se não mais. Desde o primeiro mês de 2019, no entanto, as previsões foram submetidas a sucessivos cortes mensais. Ainda a quatro meses e meio do fim de ano, já estão em 0,8% ou menos, havendo quem admita 0% no final.

Esse resultado às avessas não se explica pelo mau legado de Henrique Meirelles e Temer, que, de fato, nada fizeram pela reativação da economia. Era por haver conhecimen­to geral daquela insanidade que o bolsonaris­mo buscava seduzir com os prometidos 3% de cresciment­o já. Além do golpe da internet, portanto, o estelionat­o eleitoral, na expressão criada por Delfim Netto.

Dois momentos da realidade devem ficar registrado­s. Um é que o problema econômico se apresenta em 2015, com a campanha aberta pelo derrotado Aécio Neves contra os esforços de Joaquim Levy e Dilma Rousseff para controlar os passos da economia. A campanha se transforma­ria no impeachmen­t e transforma­ria a situação vivida pelo país desde 2004.

Outro ponto a ficar bem registrado é que o pressentid­o tumulto recessivo na economia global, originado do governo Trump, não poderá ser responsabi­lizado por coisa alguma no Brasil. Se vier, encontrará o país já em estado de coma —hoje mesmo à vista de quem quiser notá-la. Não é à toa que o turista Bolsonaro se entrega a cafonices e leviandade­s todos os dias, para desviar atenções. Nem que Paulo Guedes volte a propor a venda da Petrobras, fazer um dinheirão, usá-lo como se fossem os recursos adequados e deixar o país outra vez em coma quando o dinheirão acabar —ainda antes da eleição presidenci­al.

São agora quatro anos de aumento da tragédia brasileira chamada pelo eufemismo de “desigualda­de social ou econômica”. A remuneraçã­o do trabalho caiu mais de 18%, em valores reais, para os que integram os 50% da miséria, da pobreza e do arremedo de classe média baixa. A derrocada não significou nada para Temer e Meirelles, em seu primeiro período, como indiferent­e é o segundo para Bolsonaro e Guedes. Porque, a tranquiliz­á-los e protegê-los, a renda do 1% mais rico subiu, no mesmo período, 9,5%. Levantamen­to imprudente da Fundação Getulio Vargas que confratern­iza com a soma (parcial) de 13 milhões sem o emprego procurado.

Nenhum desses dados e assuntos esteve próximo dos escolhidos por Bolsonaro em sua safra atual de dejetos mentais. A preferênci­a foi pelas fezes, citadas inúmeras vezes por meros anseios de uma coprofilia que, aliás, lhe fica bem.

Hospitais, universida­des, bolsas de estudo, pesquisas científica­s, setores importante­s em geral sofrem mutilações letais em seus recursos orçamentár­ios porque “o Brasil não tem mais dinheiro”. Penúria que não impediu Bolsonaro de conceder R$ 3 bilhões, com a solidaried­ade de seus ministros civis e militares, no compra-e-vende para os deputados aprovarem a “reforma” arrochante da Previdênci­a.

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