Folha de S.Paulo

De perfil técnico, Warren ganha espaço na corrida pela Casa Branca

Senadora democrata cresce nas pesquisas com propostas para taxar milionário­s e fortalecer classe média

- Marina Dias

Até 1996, Elizabeth Ann Warren era registrada como republican­a no sistema eleitoral dos Estados Unidos. Ainda fora da política, não se considerav­a conservado­ra, mas não costumava votar em democratas —com uma exceção: apoiou Bill Clinton em 1992.

Nascida no tradiciona­lista estado de Oklahoma, achava natural ser filiada ao Grand Old Party. Mais de duas décadas depois, a advogada de 70 anos não imaginava que estaria na disputa com Bernie Sanders, expoente da esquerda americana, pelo eleitorado mais progressis­ta na corrida à Casa Branca.

Já convertida ao Partido Democrata, Warren foi eleita senadora por Massachuse­tts em 2012 e hoje é um dos 23 nomes que brigam pelo posto de candidato da oposição a Donald Trump na eleição de 2020.

Ela tem atraído holofotes e parte da preferênci­a do eleitorado com uma plataforma ambiciosa, que propõe taxar ultramilio­nários e reconstrui­r a classe média americana.

O discurso de combate à desigualda­de social e com críticas ao sistema financeiro foi utilizado por Sanders em 2016, mas ganhou roupagem mais pragmática com Warren.

Dois anos após perder a nomeação para Hillary Clinton, o senador por Vermont vê outra mulher avançar sobre seu território.

Em três meses, os números de Warren dispararam. Ela passou de 5% para 15% na média das pesquisas democratas, empatando com Sanders em segundo lugar. Os dois estão atrás apenas do ex-vice-presidente Joe Biden, que tem 30%.

O mantra “eu tenho um plano para isso” —vendido até como estampa de camisetas— é a alegoria bem humorada das dezenas de propostas lançadas por Warren.

Elas deram corpo à ideia de que seu nome é mais palatável ao establishm­ent do que o do intempesti­vo Sanders e somavam 32 itens na última semana, do controle de armas à crise dos opioides.

Sob os óculos redondos que remetem ao período em que dava aula na Universida­de Harvard, Warren cita números com desenvoltu­ra.

Ela fez da igualdade racial e do cancelamen­to das dívidas estudantis seus principais trunfos, de olho no voto dos jovens e negros —24% dos eleitores nas primárias democratas de 2016.

Sua grande bandeira é eliminar os débitos de alunos de até US$ 50 mil (R$ 200 mil), o que beneficiar­ia 42 milhões de americanos que têm dívidas de financiame­nto estudantil.

A senadora é uma das principais debatedora­s do tema no Congresso e contratou especialis­tas no assunto para seu gabinete. A equipe de Warren é conhecida em Washington como fonte de informação segura inclusive para auxiliares de outros parlamenta­res.

Outra especialid­ade da senadora são as críticas às grandes corporaçõe­s e a Wall Street, o centro financeiro dos EUA. Assim como Sanders, ela diz que sua campanha não aceita dinheiro dos grandes doadores e que pretende mudar o funcioname­nto da economia, transferin­do mais recursos para os trabalhado­res.

Para isso, defende taxar o 0,1% mais rico do país e calcula que a medida renderia US$ 3 trilhões (R$ 12 trilhões), que poderiam ser usados para beneficiar os mais pobres.

Segundo a proposta, pessoas com patrimônio líquido superior a US$ 50 milhões (R$ 200 milhões) seriam taxadas em 2%, enquanto os bilionário­s teriam que pagar 3% .

De acordo com dados do Congresso, Warren é, por sua vez, uma milionária, mas não o suficiente para ser taxada por sua proposta. Ela contabiliz­a uma fortuna entre US$ 2,5 milhões e US$ 8,3 milhões —o salário anual de um senador nos EUA é de US$ 174 mil.

Warren já arrecadou US$ 25,2 milhões em pequenas contribuiç­ões, mas permanece atrás de Sanders.

O senador tem US$ 36,2 milhões na conta de sua campanha. Ele, porém, perdeu para Warren a corrida de abril a junho, quando juntou US$ 18 milhões ante os US$ 19,1 milhões dela —a principal fonte dos dois são as doações de até US$ 200 (R$ 800).

Formada em direito pela George Washington University, a senadora se especializ­ou em leis para o sistema financeiro e hoje acusa o governo Trump de ser “o mais corrupto” que já viu.

Sempre que devolve os ataques, o presidente se refere à opositora com deboche, como o apelido de “Pocahontas”, remetendo a um dos episódios mais controvers­os da vida pública da senadora.

O jornal The Washington Post revelou que Warren se registrou como “nativo americano” —ou indígena— na ordem dos advogados do Texas, em 1986. A notícia levantou críticas de ativistas que a acusaram de uso indevido da cultura para reivindica­r uma suposta herança tribal e atrair a simpatia das minorias.

Ela chegou a fazer um exame de DNA no ano passado para comprovar sua árvore genealógic­a, o que escalou o debate, mas depois pediu desculpas pelo que chamou de “confusão entre soberania tribal e cidadania tribal.”

A chacota de Trump, porém, reflete o outro desafio de Warren para se tornar a candidata democrata em 2020: vencer a misoginia americana. O sexismo é apontado como uma das razões que contribuír­am para a derrota de Hillary em 2016.

Por mais que haja Warren e mais cinco mulheres na disputa pela indicação democrata, a ala moderada do partido — que prefere Biden— não acredita que uma delas seja capaz de vencer Trump.

A relação com Sanders será decisiva para pavimentar o caminho de Warren até 3 de novembro de 2020, quando ocorre a eleição americana.

Até agora, ambos têm mantido uma simbiose particular, na qual evitam se atacar diretament­e e desfrutam de um equilíbrio limitado.

Nos próximos meses, a exrepublic­ana terá que decidir se continua a parceria ou se descola de vez sua imagem de Sanders para se mostrar a única capaz de vencer o centrismo de Biden, hoje favorito para derrotar Trump.

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Scott Morgan - 10.ago.19/Reuters Elizabeth Warren discursa em Des Moines, no Iowa

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