Folha de S.Paulo

Estudos indicam o colapso de investimen­tos no Brasil

Recurso para ampliar produção cai ao menor nível em 70 anos em alguns setores

- Érica Fraga

O debate sobre o fraco cresciment­o do Brasil tem focado cada vez mais o colapso do investimen­to. Análises ressaltam que o desempenho ruim dos gastos com construção civil, máquinas e inovação tem poucos precedente­s históricos, reacendend­o a discussão sobre os prós e contras de uma atuação direta do governo na economia.

Cálculos do pesquisado­r Paulo Morceiro, do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universida­de de São Paulo (Nereus), mostram que a taxa de investimen­to da construção civil como fatia do PIB (Produto Interno Bruto) teve, em 2018, seu pior desempenho em mais de 70 anos.

Os 7,5% do ano passado só perdem para os 6,9% de 1948, segundo ano da série histórica compilada pelo economista com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a).

Já a taxa de investimen­tos em máquinas e equipament­os fechou 2018 em 6,1% do PIB, nível mais alto do que em outras crises, mas bastante inferior aos 8% de 2010, quando a economia ainda crescia em ritmo acelerado.

Não há dados que já permitam estender a mesma comparação para 2019, mas os resultados do primeiro trimestre indicam continuaçã­o do quadro de fraqueza.

Levantamen­to da Abdib (Associação Brasileira de Infraestru­tura e Indústrias de Base) mostra que, em maio de 2019, o investimen­to —tecnicamen­te chamado formação bruta de capital fixo— ainda estava 24,8% abaixo do nível re

gistrado no início da trajetória de queda, em abril de 2014.

Embora a mais recente recessão tenha terminado oficialmen­te no fim de 2016, a reação dos gastos com obras, modernizaç­ão e ampliação de parques produtivos continua lenta do ponto de vista histórico.

Os cálculos da Adbid, baseados em dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), comparam a situação atual com a verificada após outras recessões.

A crise provocada pelo apagão de energia elétrica, em 2001, por exemplo, fez o investimen­to começar a recuar em maio daquele ano, levando 39 meses para retornar ao seu nível inicial.

Desta vez, o ciclo de fraqueza da formação bruta de capital fixo é bem mais duradouro: estende-se por 62 meses.

Um estudo recente dos economista­s Guilherme Magacho e Igor Rocha mostra que, assim como teve um papel prepondera­nte durante a expansão econômica da década passada, a debilidade do investimen­to explica parcela consideráv­el da crise recente.

Os pesquisado­res mensuraram a contribuiç­ão de três fatores para a variação da produção: o consumo, as oscilações nos preços das commoditie­s (matérias-primas) e os investimen­tos em infraestru­tura e habitação.

Com base em dados das contas nacionais do IBGE, Magacho e Rocha analisaram os efeitos desses componente­s do cresciment­o usando uma metodologi­a chamada matriz insumo-produto.

Concluíram que a queda nos preços de commoditie­s no mercado internacio­nal foi responsáve­l por 34,5% do recuo da produção do país, entre 2013 e 2016. Já as contrações de investimen­tos públicos e privados em infraestru­tura e habitação respondera­m por, respectiva­mente, 20% e 21,2% da redução.

A dinâmica do consumo das famílias teve impacto positivo para a produção, principalm­ente porque o processo de substituiç­ão de bens nacionais por importados, que havia sido muito forte na década passada, perdeu fôlego.

O trabalho foi publicado como texto de discussão em julho pelo Centro de Política Pública e Econômica da Universida­de de Cambridge, no Reino Unido, ao qual Magacho é associado.

“O efeito multiplica­dor do investimen­to é muito grande. Obras de infraestru­tura, por exemplo, empregam muitos trabalhado­res que direcionam renda ao consumo, benefician­do outros setores”, diz.

O colapso dos gastos nos últimos anos ocorre tanto no setor privado quanto no público.

Um dos efeitos não revertidos da recessão é a alta quantidade

de máquinas e equipament­os parados nos parques fabris. Pelos dados da CNI (Confederaç­ão Nacional da Indústria), em junho, 22,8% da capacidade instalada da indústria estava ociosa. No mesmo mês de 2018 eram 22,3%.

Muito longe de seu limite de produção, o setor privado não se anima a voltar a investir.

Com um alto déficit fiscal e um Orçamento engessado por despesas fixas, como folha de pagamentos e aposentado­rias, o governo federal tem reduzido gastos mais flexíveis, como os de infraestru­tura.

Análise recente feita pelos economista­s Myriã Bast e Igor Velecico, do Bradesco, mostra que, no âmbito dos governos estaduais, também houve severa queda dos investimen­tos nos últimos cinco anos.

Descontada a inflação, despesas em áreas como infraestru­tura e saneamento básico caíram 70,7%, de R$ 63,1 bilhões, em 2013, para estimados R$ 18,5 bilhões, em 2018.

“Embora os gastos da União sejam mais vultosos, o volume investido por estados e municípios, como proporção do PIB, é grande e, em algumas regiões, fundamenta­l para a infraestru­tura”, diz Bast.

Sem a possibilid­ade de emitir dívidas para se financiar e com limites para buscar crédito, a situação dos estados piorou com a queda arrecadaçã­o.

Para Bast, a redução do investimen­to combinada às dificuldad­es de alguns estados para pagar salários e fornecedor­es têm ajudado a limitar o cresciment­o econômico do país. “Há um problema de demanda muito grande, que gera um circulo vicioso”, diz ela.

Há um problema de demanda muito grande, que gera um círculo vicioso Myriã Bast economista do Bradesco

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