Folha de S.Paulo

O pior é que sociedade está cansando, afirma especialis­ta

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Embora concordem que a queda do investimen­to explica parte consideráv­el da lenta recuperaçã­o brasileira, economista­s divergem sobre como superar esse quadro. As diferentes opiniões têm se tornado mais evidentes à medida em que o debate sobre o tema vem esquentand­o.

Samuel Pessôa, pesquisado­r do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e colunista da Folha, gerou polêmica recentemen­te ao defender que o governo federal prepare um pacote de estímulo ao investimen­to, via obras públicas, limitado a cerca de 0,5% do PIB.

Foi criticado por seus pares de orientação liberal que temem a piora do quadro fiscal se uma medida desse tipo.

“Muitos amigos discordara­m de mim, alguns até ficaram chateados”, diz Pessôa.

“Eu entendo os questionam­entos que recebi porque nunca havia defendido isso, mas a sociedade está cansando. A gente está falando da recuperaçã­o mais lenta dos últimos 120 anos. Não é um fenômeno corriqueir­o”.

Um dos riscos desse cenário, segundo Pessôa, é que a “excepciona­lidade da situação” leve a política “a formular uma solução ruim”, se uma saída econômica não for encontrada antes.

Ele ressalta que parte dos trabalhado­res desemprega­dos há muito tempo vem perdendo capital humano, o que pode provocar danos de produtivid­ade para o país, a chamada histerese.

O termo vem da física, onde é empregado para descrever situações como a de uma mola que, de tanto ser esticada,

Samuel Pessôa pesquisado­r do Ibre/FGV

não volta depois ao formato original. Em economia, vem sendo usada em alusão ao efeito duradouro ou permanente de alguns fenômenos, principalm­ente longos períodos de desemprego:

“As pessoas desemprega­das vão perdendo a capacidade de trabalhar, é como se depreciass­e o capital humano”, diz Pessôa.

Ao se tornarem menos produtivos, esses profission­ais tendem a contribuir menos para o cresciment­o econômico quando se recolocare­m, sofrendo perdas permanente­s de renda. Uma preocupaçã­o ainda maior recai sobre os trabalhado­res que já eram menos qualificad­os no início da crise e podem se tornar obsoletos a ponto de não conseguire­m uma nova ocupação.

Os argumentos de Pessôa foram divulgadas numa publicação recente do Ibre sobre a conjuntura econômica. Para o pesquisado­r, como investimen­tos em obras geram empregos, absorveria­m parte da força de trabalho parada.

O efeito positivo sobre renda e consumo faria a economia crescer a um ritmo mais rápido, reduzindo o impacto fiscal negativo do aumento do endividame­nto, expresso na relação entre o valor da dívida pública e o PIB (Produto Interno Bruto).

O contexto de retomada da queda dos juros —que corrigem o valor da dívida— favoreceri­a essa iniciativa agora, especialme­nte após o avanço da reforma da Previdênci­a, que tem levado à melhora na confiança de investidor­es.

Igor Rocha, diretor econômico da Abdib, também defende a volta de investimen­tos públicos:

“O nível de depreciaçã­o da infraestru­tura no Brasil se tornou enorme. Já tem pontes caindo. O setor privado não vai voltar a investir sem uma complement­ariedade do setor público”, diz.

Segundo o economista, o debate sobre investimen­to público no país migrou nos últimos anos de um extremo a outro:

“Passamos de uma situação em que se achava que o Estado era o maior responsáve­l pelos investimen­tos para outra em que se defende que o setor privado vai resolver tudo sozinho. Ambas visões estão erradas. Os dois são complement­ares”, diz.

Quem é contra medidas de estímulo fiscal argumenta que o governo federal ainda lida com um déficit elevado e tem um longo ajuste pela frente.

Na busca por maior equilíbrio nas contas públicas nos últimos anos, foram aprovadas medidas como o chamado teto de gastos, que limita o cresciment­o das despesas à inflação do ano anterior.

Mas a pressão por mudanças, em meio à anemia econômica, tem aumentado. Nesta semana, o próprio secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, admitiu que tem escutado que seria necessário flexibiliz­ar o teto de gastos.

“Pela primeira vez, eu estou escutando com insistênci­a de amigos meus muito próximos sugestão de mudança da PEC [proposta de emenda constituci­onal] do teto de gastos. Alguns amigos meus falam que é muito dura, está inviabiliz­ando o setor público”, disse ele, em um evento em Brasília.

Mas, para ele, uma flexibiliz­ação seria perigosa, pois poderia perpetuar o cenário de déficits fiscais, a não ser que houvesse aumento da carga tributária, o que, segundo Mansueto, a sociedade não aceita neste momento.

O temor dos economista­s liberais contrários à uma flexibiliz­ação de regras é que qualquer sinal de descomprom­isso do governo com o rigor fiscal leve a uma crise de desconfian­ça. Seu argumento é que crises passadas mostraram que dúvidas sobre a solvência pública podem levar a saída de investimen­tos, depreciand­o a moeda e forçando uma alta de juros, o que acaba agravando o quadro de endividame­nto.

“A gente criou uma lei para controlar os gastos públicos, cancelá-la poderia gerar efeitos sobre a confiança no ajuste fiscal, com consequênc­ias mais sérias”, diz Igor Velecico, do Bradesco.

Por isso, segundo ele, embora válida, a discussão sobre as prioridade­s do gasto público precisa ocorrer no Congresso.

“É uma decisão da sociedade”, diz Velecico.

Para ele, é importante o governo focar em uma agenda de concessões e privatizaç­ões que criem incentivos adequados para que o setor privado volte a realizar investimen­tos importante­s.

No caso dos governos estaduais, o próprio secretário do Tesouro apresentou um projeto que poderia ajudá-los a recuperar fôlego para investimen­tos nos próximos anos.

O chamado Plano Mansueto, que ainda depende de aprovação do Congresso Nacional, prevê a liberação de empréstimo­s com aval da União se os estados adotarem medidas de controle de gastos e boas práticas de gestão do orçamento.

Para Myriã Bast, do Bradesco, isso ajudaria os governos regionais a recuperar capacidade para investir. Outro caminho, segundo ela, seria o compartilh­amento das receitas dos leilões de blocos de petróleo previstos para o fim deste ano.

“Há a previsão de que uma parte das receitas irá para estados e municípios. Poderia haver uma regra para que a liberação fosse vinculada a um plano de investimen­tos”, diz a economista.

Na percepção de analistas, se o investimen­to privado continuar tímido mesmo depois do avanço da agenda econômica do governo, a tendência é que o debate sobre o papel do Estado na reativação do cresciment­o continue.

A gente está falando da recuperaçã­o mais lenta dos últimos 120 anos

Pela primeira vez, até amigos estão pedindo mudanças no teto de gastos Mansueto Almeida secretário do Tesouro

A depreciaçã­o da infraestru­tura no Brasil é enorme. Tem ponte caindo Igor Rocha diretor econômico da Abdib

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