Folha de S.Paulo

Ações contra União e BC buscam conter exploração ilegal

- Fabiano Maisonnave Colaborou Raquel Landim

Nas imagens de satélite, a exploração do ouro se assemelha a rachaduras abertas na densa floresta da Terra Indígena Mundurucu, no sudoeste do Pará.

De perto, o estrago muda a cor e o curso dos rios por centenas de quilômetro­s. E há ainda o dano invisível do mercúrio, que contamina peixes e pessoas.

Desde o início do ano, o alto preço do ouro e as sinalizaçõ­es do governo Jair Bolsonaro (PSL) aceleraram invasões de terras indígenas e outras áreas protegidas da bacia do Tapajós, epicentro da extração ilegal do metal no país.

“A lei foi criada pelo branco. Ali está demarcado, homologado. Depois disso, branco não pode nem pisar lá. Mas é o contrário, estão destruindo a área indígena”, diz o cacique-geral dos mundurucus, Arnaldo Kaba, em entrevista por telefone.

Já não se trata mais de garimpo: a recente populariza­ção das PCs (escavadeir­as) na bacia do Tapajós aumentou a escala para o nível de mineração, com alto impacto ambiental espalhado por uma vasta área dos mundurucus.

“Como é que vamos viver depois que acabarem com aquela área?”, diz a principal liderança do povo mundurucu, de cerca de 13 mil pessoas. “A água virou Leite Moça, bem grossona. De peixe, ninguém fala mais, acabou o peixe.”

Num esforço para aprimorar “a lei do branco” contra o garimpo ilegal, o MPF (Ministério Público Federal) em Santarém entrou neste mês com uma ação civil pública contra a União, o Banco Central e a ANM (Agência Nacional de Mineração) para melhorar os mecanismos de controle da cadeia do ouro. O objetivo é asfixiar a exploração ilegal.

“O comércio do ouro é uma atividade extremamen­te fácil de fraudar e praticamen­te impossível de investigar”, resume o procurador Luis de Camões Boaventura.

Atualmente, o ouro do garimpo só pode ser comprado por empresas registrada­s no Banco Central como Distribuid­ora de Títulos e Valores Mobiliário­s (DTVM).

Para adquirir o metal, as DTVMs deveriam exigir do vendedor a Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), expedida pela ANM. A transação é, então, registrada em uma nota fiscal manual, que não é lançada em sistema eletrônico.

Uma investigaç­ão conjunta da PF (Polícia Federal) e do MPF na região de Santarém iniciada em 2016 revelou que o descontrol­e na emissão das PLGs e a falta de um sistema para cruzar dados abrem caminho para diversas formas para esquentar o ouro extraído ilegalment­e, principalm­ente em áreas protegidas, como terras indígenas.

O fio do novelo começou com dois garimpeiro­s flagrados explorando ouro em uma área vizinha à Terra Indígena Zoé, etnia de recente contato. Em depoimento, ambos afirmaram que vendiam o mineral para uma agência da empresa Ourominas, em Santarém, sem apresentar nenhum documento comprovand­o a procedênci­a do ouro.

Para esquentar o ouro dos garimpeiro­s, a Ourominas teria colocado na nota fiscal duas PLGs diferentes em Itaituba (PA), ambas localizada­s a centenas de quilômetro do local extraído.

Ao todo, a investigaç­ão conjunta identifico­u 4.652 aquisições de ouro de origem supostamen­te clandestin­a que teriam sido feitas pela Ourominas apenas em Santarém, entre entre 2015 e 2018. As transações somaram R$ 70,3 milhões, envolvendo 610,8 quilos do metal.

“A grande maioria das PLGs pode ser denominada de PLGs fantasmas”, diz Boaventura. “Não noticiavam sequer extração no relatório anual de lavra.”

Na ação, o MPF exige dos três entes a maior transparên­cia e informatiz­ação da cadeia de controle, como a criação de uma nota fiscal eletrônica. Além disso, propõe a delimitaçã­o do conceito de garimpo, já que grandes empresário­s têm usado as PLGs, que têm regras mais simplifica­das, incluindo de licença ambiental.

Procurado pela Folha ,o Banco Central informou que não comenta processo em andamento. Ninguém foi localizado na ANM para comentar sobre a cadeia de ouro. A Ourominas tem negado as irregulari­dades e se diz disposta a colaborar com a Justiça.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil