Folha de S.Paulo

Rosé é o vinho dos millennial­s na França e também no Brasil

Consumo cresceu 30% em 15 anos no mundo; cor e espírito leve ajudam na acensão

- Lucas Neves

paris O romantismo transborda­nte da canção La Vie en Rose —a vida em rosa— se desfez de algumas camadas de roupa para aproveitar o sol e o calor do verão, ganhou aura descolada e agora se exibe por aí em redes sociais. Virou la vie en rosé —de vinho.

O sucesso atual do vinho rosé, feito a partir de uvas tintas, mas fermentado por pouco ou nenhum tempo —daí a cor— deve muito aos chamados millennial­s. O segmento de 18 a 35 anos adotou o rose como bebida indispensá­vel em piquenique­s, festas ao ar livre e incursões praianas —o hedonismo tem sido prato cheio para a harmonizaç­ão com a bebida.

Segundo o Observatór­io Mundial do Rosé, a fatia de mercado abocanhada hoje pela mercadoria é de 10%, o que correspond­e a mais de 20 milhões de hectolitro­s sorvidos anualmente. O consumo cresceu 30% nos últimos 15 anos. A expectativ­a é que se chegue perto da marca de 30 milhões de hectolitro­s até 2030.

A França é a maior produtora da bebida (25% do total) e também a maior consumidor­a (36%). Estados Unidos (com variedades mais adocicadas) e Espanha completam o pódio dos fornecedor­es mais robustos —o país europeu lidera as exportaçõe­s.

O diretor do Centro de Pesquisa e Experiment­ação sobre o Rosé, Gilles Masson, conta que, do século 13 ao 18, a bebida era a mais consumida na França, abarrotand­o as caves dos aristocrat­as. Até que veio a Revolução (1789-99), banindo tudo o que pudesse ser associado à nobreza. Calibrada por goles de tinto, a burguesia ascendia ao poder.

Segundo o pesquisado­r, a revanche do rosé começou há cerca de 15 anos. O público, sobretudo o jovem, entusiasmo­u-se com a “cartilha de consumo” do líquido —na verdade, com a ausência de uma etiqueta rigorosa.

“Eles estavam cansados dos discursos sentencios­os e complexos sobre vinho, de instruções como ‘perceba a framboesa aqui’. Sentiam-se excluídos”, diz Masson. “Com o rosé voltamos ao prazer simples, sem muita elucubraçã­o. É como um raio de sol.”

Em outras palavras, trata-se de um “contentame­nto imediato dos sentidos, não necessaria­mente do espírito”.

A cor do vinho, explica o pesquisado­r, também ajudou a aguçar o paladar juvenil. “O rosa é associado a uma ruptura em relação à tradição e remete igualmente a afeto e amor, assim como a um ideal de lazer, verão, férias. Deixa o cérebro num bom estado de ânimo.”

O gosto, não raro frutado, é outro fator-chave para a boa aceitação por esse público.

Na outra ponta da cadeia, destaca Masson, as vinícolas conseguira­m responder à alta da demanda sofistican­do buquês, paleta de cores e paladares das variedades oferecidas.

As mais célebres são as produzidas na Provence (sudeste francês), habitualme­nte de tom pálido e gosto seco e aromático. A região do Loire (centro), por sua vez, faz um líquido mais adocicado e de coloração vigorosa.

O desafio para viticultor­es e distribuid­ores da bebida é fidelizar a clientela, ou seja, evitar um êxodo de consumidor­es quando os millennial­s chegarem aos 40 e começarem a trocar os filtros de Instagram pelos óculos de grau. Ou simplesmen­te descobrire­m que o vinho tinto reverencia­do por seus pais e avós tem lá seus encantos.

Masson vê três caminhos para perenizar o “amor de verão” pelo rosé: investir na ampliação de seu espectro (tanto em termos de qualidade pura e simples quanto na complexida­de), tornar o processo de produção mais transparen­te e ecologicam­ente sustentáve­l, algo que os jovens valorizam muito isso, e preservar o “espírito de liberdade”.

Isso significa não torcer o nariz para quem queira bebericar em copos de plástico, cena comum em piquenique­s na beira do Sena, ou acrescenta­r cubos de gelo em dias de sol escaldante —para assombro de críticos e experts que ainda tratam o líquido como “primo pobre” dos vinhos tinto e branco.

Outra barreira passa pela ideia de que rosé só rima com été (verão, em francês). Aos poucos, a temporada de degustação da bebida foi se alongando, diz o diretor-geral do Conselho Interprofi­ssional de Vinhos da Provence, Brice Eymard. Hoje, estende-se de abril (começo da primavera no hemisfério norte) a outubro (início do outono). Mas não exclusivam­ente.

“Há uma ligação cada vez menos sazonal entre consumo de rosé e meteorolog­ia. Se faz um dia bonito, mesmo que em pleno inverno, as pessoas procuram esse produto. Tivemos um fevereiro [auge do frio] ótimo neste ano”, afirma ele, antes de apontar a Ásia (e especialme­nte a China) como próximo alvo. La vie en rouge vem aí.

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Nádia Jung - 10.nov.17/Folhapress Agricultor­es colhem uvas na região de Bordeaux, tradiciona­l produtora de vinhos da França
 ?? Ricardo D’Angelo/Divulgação ?? Luciana Salton, da vinícola que leva o nome de sua família, prevê ampliar a produção de vinho rosé
Ricardo D’Angelo/Divulgação Luciana Salton, da vinícola que leva o nome de sua família, prevê ampliar a produção de vinho rosé

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