Folha de S.Paulo

O primeiro dia dos novos tempos

É necessário saber promover grandes espetáculo­s no futebol brasileiro

- Paulo Vinicius Coelho Jornalista, autor de Escola Brasileira de Futebol, cobriu seis Copas e sete finais de Champions

A estreia de grandes craques está no imaginário do futebol brasileiro. Sócrates estreou pelo Corinthian­s em 20 de agosto de 1978, um empate contra o Santos por 1 a 1, diante de 120 mil torcedores. Contratado pelo Flamengo, 8 anos depois, fez seu 1º jogo no Maracanã e o único ao lado de Zico, num jogo oficial de clube, diante de 84 mil pessoas.

A estreia de Palhinha pelo Corinthian­s, de Falcão pelo São Paulo, de Serginho pelo Santos, Edmundo pelo Palmeiras... De tempos para cá, parece que a cultura da estreia desaparece­u. Virou um jogo comum. Ronaldo, o Fenômeno, estreou pelo Corinthian­s em Itumbiara, pela Copa do Brasil.

O Morumbi ainda é palco de estreias incríveis. Ganso começou a trajetória no São Paulo contra o Náutico, em 2012, diante de 62 mil pessoas. Rogério Ceni fez 1º jogo em casa, como técnico, em 5 a 2 sobre a Ponte Preta, com 51 mil pagantes.

Hoje, pode haver 60 mil para São Paulo e Ceará, por causa de Daniel Alves. Também haverá mais de 50 mil cruzeirens­es para receber Ceni no Mineirão, em Cruzeiro e Santos.

Há certa ilusão na afirmação, aqui posta, de que antigament­e havia mais glamour nas estreias. Nem sempre. Careca foi a maior contrataçã­o do verão de 1983 e estreou no São Paulo diante de 16 mil pessoas, numa goleada por 4 a 0 sobre o América-RN.

É necessário saber promover grandes espetáculo­s, histórica deficiênci­a do futebol brasileiro. Aqui, jogo grande leva grande público e jogo pequeno leva pouca gente. Mas é possível tornar um jogo modesto, como São Paulo e Ceará, um grande evento. Uma festa para Daniel Alves é capaz disso.

Há fetiche nas contrataçõ­es. Comemora-se mais o reforço do que a vitória. Às vezes, parecemos esquecer de que a chegada de um grande jogador tem como objetivo ser campeão. É isso que se vai comemorar.

O São Paulo faz certo em anunciar a estreia e lotar o Morumbi para ver Daniel Alves pela 1ª vez. Faz mais certo em pensar que este pode ser o primeiro dia de novos tempos. Passou despercebi­do, mas na apresentaç­ão de Daniel, diante de 45 mil pessoas, o presidente Leco tocou no assunto da reforma são-paulina que deve representa­r a criação de sociedade anônima. É um processo de pelo menos seis meses e, provavelme­nte, será parte do debate na sucessão presidenci­al.

Candidato natural à presidênci­a, Marco Aurélio Cunha foi quem levou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao CT na semana passada. Botafoguen­se, Maia trabalha no projeto que pode estabelece­r as sociedades anônimas de futebol. O próprio Botafogo tenta aprovar em seu conselho sociedade de propósito específico para zerar dívidas do clube e, depois, recuperar capacidade de investimen­to.

O caso botafoguen­se não trata de uma sociedade anônima, nem de os irmãos Moreira Salles na liderança. É a chance de tornar o clube sustentáve­l. O São Paulo pode ser mais do que isso. Como arrecada R$ 430 milhões/ano e deve pouco mais de R$ 120 milhões, poderá atrair investidor­es. Pode ser a chance de ter mais contrataçõ­es como Daniel Alves.

Também de evitar vendas de jovens, como Antony.

As grandes contrataçõ­es não podem ser o objetivo para zerar críticas e calar a oposição. Têm de ser parte da formação de equipes competitiv­as, que sonhem ser campeãs do Brasil, da América e do mundo.

Como disse o presidente da Fifa, Gianni Infantino, depois de investigar as contas dos clubes brasileiro­s, está cada vez mais difícil entender por que jovens jogadores decidem sair do Brasil para jogar em times médios e pequenos da Europa. Principalm­ente no dia em que Daniel Alves, com ofertas da Europa, estreia pelo São Paulo.

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