Folha de S.Paulo

Diferenças culturais são desafio dos franqueado­s de marcas estrangeir­as

Empreended­or e rede internacio­nal devem adaptar seus processos e produtos para satisfazer demandas do consumidor brasileiro

- Dante Ferrasoli

Abrir uma franquia internacio­nal no Brasil parece uma aposta garantida para o empreended­or, já que essas companhias costumam ser consolidad­as em seus locais de origem. Entretanto, diferenças culturais e de operação entre os dois países devem ser contornada­s para que o negócio dê certo.

O empresário Marcos Toledo, 52, egresso do mercado financeiro, resolveu investir na rede francesa de lavanderia­s 5 à Sec há 25 anos, quando abriu duas unidades da marca, ambas em São Paulo.

O negócio prosperou e Toledo chegou a ser o maior franqueado da marca no Brasil, com 12 lojas. Hoje, tem oito, todas na capital paulista.

Ele relembra, porém, uma diferença cultural entre França e Brasil que obrigou a rede de lavanderia­s a se adaptar ao cliente nacional.

“A franqueado­ra veio com o padrão internacio­nal dela, mas teve de aprender a lidar com o nosso mercado. Se você entregar uma camisa mais ou menos bem passada a um europeu, OK. O brasileiro não permite que você lhe devolva uma peça que ainda precise de retoque”, afirma.

Segundo ele, a mudança na qualidade da passagem aconteceu após muito treinament­o e capacitaçã­o. O fato de a 5 à Sec ter montado um conselho consultivo entre os franqueado­s para entender o que acontece nas lojas ajudou.

O brasileiro é exigente com o serviço, segundo Toledo, porque apenas uma pequena parte da população usa lavanderia­s —outra diferença fundamenta­l entre os países.

“Nosso mercado não é maduro. Há 25 anos, 4% da população brasileira usava lavanderia­s. Hoje, ainda são os mesmos 4%. Há muito para crescer. Tem a questão cultural, mas acho que isso agora está mudando. Há novos empreendim­entos que não comportam uma máquina de lavar” diz.

Os dados citados por Toledo são da Anel (Associação Nacional de Empresas de Lavanderia). Estima-se que na Europa a cifra chegue a 90%.

Juntando suas oito lojas, Toledo tem 36 funcionári­os e deve aumentar seu faturamen

O pequeno empresário em geral não vai lidar diretament­e com a matriz; o modelo da maioria delas é ter um master franqueado, que fica responsáve­l pelas operações no país

to, cujo valor não revela, em 15% no ano que vem.

O engenheiro de produção Marcelo Romi, 33, que tem seis unidades da rede americana de pizzarias Domino’s no estado de São Paulo, fez o caminho inverso ao da 5 à Sec: no caso dele, não foi a empresa que se adaptou ao mercado brasileiro, mas sim o franqueado que aprendeu a utilizar a operação do franqueado­r.

“Numa pizzaria normal o entregador espera acumular pedidos cujos endereços são próximos e sai. Isso é vetado na Domino’s. É uma de cada vez: o entregador vai, entrega, volta e pega a próxima. Isso nos demanda mais entregador­es, mas não é negociável”, diz. Apesar de não ser o padrão por aqui, Romi diz que o método é mais eficiente.

A Domino’s, cujo foco é exatamente o delivery, também trabalha com zonas de entrega reduzidas (em relação às das pizzarias brasileira­s) para levar os pedidos mais rapidament­e. Foi outra coisa que no começo foi difícil de implementa­r, relembra o empresário, mas que fidelizou clientes.

O grupo SP Meals, que Romi e sua família montaram para administra­r os restaurant­es da Domino’s, pretende abrir seis novas unidades nos próximos anos, duas delas ainda neste ano. Eles têm 80 funcionári­os.

Ainda na área alimentíci­a, o paladar brasileiro é também algo que as empresas que vêm de fora têm de levar em conta.

Diretor-executivo da Multi QSR, que controla e é franqueado­ra de KFC, Pizza Hut e Taco Bell no país, Lincoln Martins, 39, relembra mudanças feitas especialme­nte para o gosto local quando o Taco Bell chegou ao país, em 2016.

“Depois de testes, já começamos a operação no Brasil com a opção da batata frita como acompanham­ento, o que não existia nos EUA. Foi uma tropicaliz­ada que deu certo. E também colocamos a sobremesa, o que não há fora daqui”, afirma.

Além dessas diferenças culturais, o pequeno empresário que quer ser franqueado de uma marca estrangeir­a deve levar em conta outra informação: provavelme­nte, nem chegará a lidar diretament­e com a empresa internacio­nal.

O modelo da maioria das empresas é ter um master franqueado (como é o caso do grupo Multi QSR para suas marcas), que fica responsáve­l pela operação da marca no Brasil, assume o papel do treinament­o e dá consultori­a, explica André Friedheim, presidente da ABF (Associação Brasileira de Franchisin­g).

“O empreended­or tem que conhecer muito bem o dono da operação no Brasil. Geralmente a marca já pré-seleciona bem, mas pode acontecer de a pessoa só ter dinheiro, mas não se estruturar para esse trabalho”, afirma.

Outra dica importante é se certificar de que é possível encontrar no mercado nacional os produtos exigidos pelo padrão da franqueado­ra.

“É por isso que essas empresas desenvolve­m um processo logístico no país. Há o risco cambial. Você pode até ter um ou outro produto importado, mas não ficar preso às variações da moeda”, diz.

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