Folha de S.Paulo

É hora de aliados das mulheres se apresentar­em

Se eles existem, chegou a hora de esses líderes se apresentar­em

- Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Na discussão sobre o fim da lei de cotas para candidatur­as femininas, os primitivos estão confortáve­is em ver o Brasil na posição 133 do ranking Mulheres no Parlamento.

As salas dos partidos de centro ficam no primeiro pavimento do Congresso Nacional. Através de suas janelas de vidro do teto ao chão, os líderes partidário­s que regem a vida nacional podiam assistir, na semana passada, a dispersão da marcha das Margaridas —que reuniu 100 mil mulheres de todo o país na luta por justiça ambiental— enquanto discutiam o fim da lei de cotas para candidatur­as femininas. Nenhuma mulher presente à mesa.

Depois do escândalo do laranjal do PSL, quem quer ser o próximo pego em flagrante? Até setembro, um ano antes do início das eleições de 2020, alguma solução precisa ser encontrada. Não à toa, o primeiro projeto de lei a circular sobre a extinção das cotas foi proposto por duas mulheres úteis: a presidente nacional do Podemos, Renata Abreu, com relatoria da deputada do PSL Bia Kicis.

Na justificat­iva ao projeto que pretende acabar com a punição aos partidos que não cumprirem a lei de cotas, Renata Abreu diz: “Buscamos afastar entendimen­tos equivocado­s, garantindo que os partidos mantenham a busca por candidatur­as de cada gênero, mas que não sejam penalizado­s pelo quadro político que se apresentar em cada pleito”. Não há equívoco algum: se não há pena por não cumprir a lei, a lei não será cumprida por boa vontade. E se os partidos abrem mão de sua atribuição democrátic­a de apresentar um quadro político representa­tivo a cada pleito, melhor redigir um projeto pedindo a extinção dos mesmos.

Diante dos limites autoimpost­os pela redação do projeto, a dupla tornou-se inútil e os líderes de centro entraram em campo. Neste momento, eles trabalham em um substituti­vo. A disputa pelo consenso opõe primitivos a esclarecid­os.

Por primitivos entenda-se aqueles que estão confortáve­is em ver o Brasil ocupar a posição 133 no ranking Mulheres no Parlamento, que a IPU (Inter-Parliament­ary Union) divulga anualmente para alertar sobre a dificuldad­e do acesso das mulheres aos espaços de tomada de decisão. O fato de até regimes sexistas, como a Arábia Saudita, que violam sistematic­amente direitos das mulheres, terem números melhores que os nossos não os envergonha. Os primitivos são líderes que se eximem de responsabi­lidades históricas, entre eles o “líder” do DEM, Elmar Nascimento, o mesmo que encampou a anistia aos partidos que não investiram 5% do fundo partidário em formação de mulheres.

Do outro lado, entre os esclarecid­os, estão o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), e o líder do PP, Arthur Lira (AL). No grupo de pressão, em defesa dos direitos das mulheres, militam as deputadas Margarete Coelho (PP-PI), Prof. Dorinha (DEM-TO), Soraya Santos (PL-RJ) e a senadora Simone Tebet (MDB-MS). O pleito delas é pela manutenção das cotas e, como explica Margarete à coluna: “Lutar por novos mecanismos de incentivo à participaç­ão de mulheres na política, como a destinação de mais recursos dos fundos partidário e eleitoral, a reserva de cadeiras para mulheres no Parlamento e a adoção de democracia interna nos partidos, que permita às mulheres voz e vez nos órgãos de direção partidária”.

Porém, o substituti­vo que hoje ganha força extingue os 30% das cotas, mantém os 30% do fundo de campanha e os 5% para formação, além de propor que as deputadas federais tenham peso dobrado na contabilid­ade do fundo partidário. A grande treta é a reserva de 20% das cadeiras proposta pela bancada feminina.

Mas é preciso estarmos atentas ao voto do ministro Fachin, que obrigou os partidos a destinarem 30% do fundo de campanha às mulheres a partir de 2018. Fachin chegou a este número por equivalênc­ia aos 30% da lei de cotas.

Acabar com a lei de cotas será o primeiro passo para acabar com o fundo de campanha? Se essa for a ideia, vamos descobrir que não existe distinção entre líderes esclarecid­os e primitivos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil