Folha de S.Paulo

Falência múltipla

Estrangula­mento orçamentár­io avança e ameaça órgãos e serviços federais; culpa não é do teto de gastos, mas da alta dos desembolso­s obrigatóri­os

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Sobre esgotament­o de recursos em órgãos federais.

Por uma análise fria de números, os programas de ajuste orçamentár­io levados a cabo desde 2015 são, até aqui, um relativo fracasso.

Em valores corrigidos, a despesa com pessoal, custeio, programas sociais e investimen­tos se aproximou de um nada modesto R$ 1,4 trilhão nos últimos 12 meses. Trata-se do mesmíssimo patamar de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) consumou a ruína do Tesouro Nacional na busca pela reeleição.

Desde lá, o gasto primário —isto é, sem contar encargos com juros— supera a arrecadaçã­o. Com isso, a dívida pública já saltou do equivalent­e a 56% para quase 80% do Produto Interno Bruto.

Os dados, pois, estão longe de descrever um regime draconiano. Apenas se estabilizo­u o dispêndio, em nível alto para padrões internacio­nais, na casa dos 20% do PIB, e recorde para o histórico doméstico.

Pode causar espanto, assim, a notícia de que órgãos e serviços estão ameaçados de paralisia pelo esgotament­o de recursos. Nas palavras do presidente Jair Bolsonaro (PSL), “os ministros estão apavorados”.

A explicação não é novidade. As grandes despesas, com Previdênci­a Social e salários do funcionali­smo, seguem em elevação, por imposições legais, no primeiro caso, e por injunção política, no segundo.

Em contrapart­ida, impõe-se um arrocho real sobre uma fração pequena dos gastos —basicament­e os destinados a investimen­tos e ao custeio da máquina pública.

Estes encolheram de R$ 192 bilhões, em 2014, para R$ 120 bilhões nos últimos 12 meses. Se não for revertido o contingenc­iamento em vigor, o número cairá abaixo dos R$ 100 bilhões neste 2019.

Na vida real, isso se traduz, primeiro, em corte drástico de obras públicas. A segunda etapa, mais visível a cada dia, se dá nos compromiss­os cotidianos da administra­ção. Escasseiam verbas para contas de água ou energia; estão em risco bolsas de pesquisa e serviços como a emissão de passaporte­s.

Nesse cenário crescem, previsivel­mente, as pressões pelo abrandamen­to do teto para os desembolso­s federais, inscrito na Constituiç­ão em 2016. Alguma flexibiliz­ação, de fato, pode ser inevitável.

Erra, porém, quem culpa a regra constituci­onal pelo estrangula­mento. O que impede a normalizaç­ão orçamentár­ia, já deveria estar claro, é o governo depender de dinheiro emprestado diariament­e.

Não existe crédito eterno e incondicio­nal. A menos que se contenham os gastos obrigatóri­os com aposentado­rias e salários, portanto, haverá falências múltiplas de órgãos e serviços nos próximos meses e anos. Com ou sem teto.

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