Folha de S.Paulo

Para auditores, pressão sobre a Receita visa proteger políticos

Representa­ntes da categoria dizem estranhar que interferên­cia venha do Planalto

- -Thiago Resende

Não se pretende blindar a Receita de pressões políticas, mas sim de algo para impedir que a Receita chegue aos poderosos

Kleber Cabral presidente do Sindifisco (sindicato nacional dos auditores fiscais da Receita)

A interferên­cia do presidente Jair Bolsonaro no dia a dia da Receita Federal e os ataques ao órgão têm o objetivo de limitar a atuação sobre políticos, avaliam associaçõe­s de auditores fiscais.

Hoje, a Receita não precisa de autorizaçã­o para procurar por irregulari­dades nas contas de qualquer brasileiro.

Mas as entidades acreditam que o pano de fundo da crise gerada pelo governo é criar uma barreira às investigaç­ões envolvendo quem ocupa cargos políticos e que, no Judiciário, tem foro especial.

Surpreende­u a categoria o fato de que, dessa vez, o movimento parte do centro do governo, na esteira da pressão de Bolsonaro por substituiç­ões dentro da Polícia Federal.

Segundo o presidente do Sindifisco (sindicato nacional dos auditores fiscais da Receita), Kleber Cabral, o uso de posições de influência —deputados e empresário­s— para forçar uma troca de cargo no órgão sempre existiu.

“Mas o ministro [da Economia] ou o próprio presidente têm que segurar a pressão. A pior notícia é que a pressão vem do presidente. A existência de pressão é quase rotina. O que é estranho é a pressão se concretiza­r de forma escancarad­a”, afirma.

Além da tentativa de intervençã­o em cargos da Receita, o governo passou a estudar mudanças na estrutura do órgão, que poderia ser fatiado e ter regras flexibiliz­adas para que funções de chefia possam ser ocupadas por indicações políticas.

Isso permitiria um aparelhame­nto do órgão de controle, criticam entidades ligadas a auditores.

No sábado (17), em mensagem a colegas, o delegado da alfândega do Porto de Itaguaí, José Alex Nóbrega de Oliveira, expôs o embate por posições estratégic­as na região metropolit­ana do Rio de Janeiro.

Ele declarou ter sido surpreendi­do há cerca de três semanas, quando o superinten­dente da Receita no Rio de Janeiro, Mario Dehon, o teria informado de que havia uma indicação política para assumir a alfândega do porto.

Segundo a mensagem, Dehon não concordou em substituir Oliveira por um auditor com pouca experiênci­a para o cargo e, agora, está com o cargo ameaçado.

Bolsonaro, que tem reclamado publicamen­te da atuação da Receita, foi quem fez o pedido para que um auditor do Amazonas ocupasse a vaga de Oliveira.

Procurado, o Planalto ainda não se manifestou.

Desde que assumiu a Presidênci­a, Bolsonaro contesta ações de órgãos de controle para investigar seu núcleo familiar e pessoas próximas: Renato Bolsonaro, irmão do presidente; o senador Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente; e Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio.

“Quando ele escolheu vir para a vida pública, fazia parte do pacote que toda sua família estaria sujeita a uma maior fiscalizaç­ão. Ele diz que é perseguiçã­o, mas, na verdade, é consequênc­ia de tratados internacio­nais que o Brasil assinou”, afirmou o presidente da Unafisco (associação nacional dos auditores fiscais da Receita), Mauro Silva.

Uma convenção das Nações Unidas e chancelada pelo Estado brasileiro prevê que, para combater a corrupção, as fiscalizaç­ões de quem ocupa cargos políticos precisam estar no rol de ações prioritári­as.

São as chamadas pessoas politicame­nte expostas, como deputados, governador­es, ministros e chefes de Estado, além dos familiares deles.

As entidades argumentam que a apuração de indícios de irregulari­dades de pessoas próximas de políticos é parte das obrigações da Receita e que, em governos anteriores, esse tipo de atuação também foi criticada, como nas investigaç­ões envolvendo o Instituto Lula.

Mas, à época, o governo petista não teria reagido de forma tão explícita e autoritári­a, afirmam os auditores.

Silva disse que, se a interferên­cia nos cargos no Rio de Janeiro for efetivada, poderá haver uma paralisaçã­o na Receita —não está descartada uma entrega de cargos em massa.

Desde 2017, a Receita criou um grupo para cuidar especialme­nte da análise fiscal de cargos políticos.

Diante das investigaç­ões da Lava Jato, a ideia era deixar de ter uma postura reativa —só agir após solicitaçõ­es do Ministério Público, por exemplo— e passar a ter uma posição mais ativa em busca de crimes fiscais.

O resultado desse trabalho, segundo o Sindifisco e a Unafisco, deflagrou uma onda de ataques ao órgão.

“Nossa leitura é que as coisas estão concatenad­as. Não se pretende blindar a Receita de pressões políticas, mas sim de algo para impedir que a Receita chegue aos poderosos”, declarou Cabral.

Eventual projeto para mudar a estrutura da Receita precisa passar pelo Congresso. A proposta deve partir do Executivo e tem apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

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Pedro Ladeira - 2.jul.19/Folhapress zamentos

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