Folha de S.Paulo

A nova esquerda radical

Enfrentame­nto da extrema direita passa pelo experiment­alismo

- Mathias Alencastro Pesquisado­r do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to e doutor em ciência política pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

O PT, como todos os partidos da social-democracia, se depara com um dilema diante da ascensão do populismo: mobilizar a base ou ampliar alianças?

Esse debate foi central na eleição de 2018 e, como sabemos, o partido, consumido pelas tensões internas, acabou fazendo uma campanha bicéfala: um candidato de “abertura” —Fernando Haddad— e uma plataforma de “acirrament­o”, repleta de jabutis para externar fanatismo e abominar moderados, como a grotesca nova Constituin­te.

A cada vez mais provável recondução da direção comandada por Gleisi Hoffmann, uma recompensa generosa para um primeiro mandato calamitoso, indica que a plataforma de acirrament­o se tornou dominante dentro do partido.

Essa é uma tragédia para os democratas, dado que a quase totalidade das grandes formações de centro-esquerda entendeu que o enfrentame­nto da extrema direita passa pelo experiment­alismo.

Na semana passada, o britânico Jeremy Corbyn abriu, finalmente, discussões com outros partidos para a formação de um governo temporário de união nacional que possa interrompe­r a deriva suicida do brexit.

As chances de sucesso são pequenas, mas o movimento é significat­ivo, tendo em conta que Corbyn, um dos últimos expoentes da esquerda psicorrígi­da dos anos 1970, manteve durante quase três anos uma linha “sem compromiss­os”.

Enquanto isso, a aburguesad­a e apequenada centro-esquerda italiana desceu do Senado, onde se refugiou depois da humilhante derrota eleitoral de 2016, para negociar com o movimento 5 Estrelas, seu mais odiado antagonist­a, numa tentativa de complicar a chegada ao poder do extremista Matteo Salvini.

Alemanha e França também passam por transforma­ções interessan­tes, com socialista­s e ecologista­s tentando formar novas maiorias, mas o caso de Portugal continua sendo o mais emblemátic­o.

O Bloco de Esquerda, repetidame­nte citado por Guilherme Boulos como exemplo a seguir, continua firme e forte na coalização liderada pelo Partido Socialista, que derruba o investimen­to público aos níveis mais baixos desde 1960, congela salários e exige o controle das contas públicas. Graças a esse contorcion­ismo, Portugal continua imune aos ventos da direita populista.

Já se passaram quase dez anos da crise de 2008, que ditou o colapso da social-democracia. Desse período, três lições podem ser tiradas: primeiro, a tentativa de relançar a polarizaçã­o entre esquerda e direita serve apenas para pavimentar o caminho da extrema direita.

Segundo, as formações tradiciona­is sobrevivem —ou renascem— quando superam a polarizaçã­o e partem para construção de novas alianças. Terceiro, mais do que a renovação propriamen­te dita, o importante é a aglutinaçã­o de forças democrátic­as contra o novo regime. Nos tempos que correm, radical é aquele que rompe barreiras, e não aquele que organiza seitas.

A esquerda brasileira não é mais antropofág­ica do que a italiana, espanhola ou francesa. A sua particular­idade é que o seu principal e incontorná­vel partido, o PT, se recusa a entrar na nova era. Enquanto isso não acontecer, o eleitor brasileiro terá de escolher entre diferentes direitas.

| seg. Jaime Spitzcovsk­y, Mathias Alencastro | sáb. Roberto Simon

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