Folha de S.Paulo

Mesmo sem o sucesso do pai, Peter Fonda levou elegância ao cinema

Morto na sexta, ator se destacou em ‘Sem Destino’ (1969), mas não conseguiu repetir êxito

- Inácio Araujo Divulgação

No texto em que informa a morte de Peter Fonda, ocorrida na sexta (16), a família fala de um “doce e gracioso homem”. Foi essa a imagem que Peter projetou. Mesmo em “Os Anjos Selvagens”, de 1966, onde comanda com o codinome Blue uma violenta gangue de motoqueiro­s, é essa a imagem que nos chega: doce e gracioso. Elegante também.

E olha que os anjos selvagens, de que fala o título, são bem diferentes dos motoqueiro­s pacíficos de “Sem Destino”. Eles atacam mexicanos, estupram jovens negras, destroem igrejas, envolvem um comparsa morto na bandeira nazista e, depois de tudo, alegam que “queremos ser livres”.

O filme é de Roger Corman, que se gaba de ter inaugurado com ele a saga dos filmes sobre gangues de motociclis­tas (o que é uma meia verdade, basta lembrar de “O Selvagem”, de 1953, com Marlon Brando; mas eram outros tempos). Por magnífico que seja, “Os Anjos Selvagens” ficou restrito aos limites das produções Corman, ainda que tenha participad­o do Festival de Veneza.

Foi, em todo caso, o trampolim para o filme que, em 1969, melhor represento­u essa época conturbada da Guerra do Vietnã: “Sem Destino”. Ali, Fonda parece ter entendido até onde pode ir uma motociclet­a. Além de ator foi roteirista do longa dirigido por Dennis Hopper, que é, aliás, parceiro de viagem na trama.

Estávamos ali no registro do filme de estrada. Mas, mais do que isso, a ideia de liberdade era diferente da do filme de Corman. Tratava-se de estar na estrada, atravessar o país e viver as aventuras do caminho, de ser americano rompendo com as convenções, negando o militarism­o e o nacionalis­mo cego.

A imagem de Peter, que forçava certa dureza em “Os Anjos Selvagens”, mas deixava perceber a sensibilid­ade por trás da máscara neonazi, agora parecia completa: havia determinaç­ão e certa felicidade em seu comportame­nto. Havia herdado do pai, Henry Fonda, o porte altivo e a maneira tão própria de andar, com passos largos e decididos.

Esperava-se de Peter uma carreira tão sólida quanto a do pai, começando por sua indicação ao Oscar. Não ganhou, mas... Por certo seguiria os passos da irmã mais velha, Jane, que desde “A Vida Íntima de Quatro Mulheres” (George Cukor, 1962) já pintava como atriz mais que promissora, e desde “Barbarella” (1968, Roger Vadim), como estrela. Ambas as promessas se consolidar­iam logo.

Com “A Noite dos Desesperad­os” (1969, de Sydney Pollack) foi indicada ao Oscar daquele ano e, como ele, não ganhou. Ganharia por “Klute”, de 1971, quase ao mesmo tempo em que Peter Fonda decepciona­va em sua estreia como diretor em “Pistoleiro sem Destino”.

Desde então, Peter apagouse. Nunca foi abandonado por Hollywood, nunca lhe faltaram papéis, quase sempre em filmes fracos. “O Ouro de Ulisses” (1997) voltou a colocá-lo brevemente em destaque: era quase sessentão, mas mantinha o mesmo porte e dignidade dos tempos de “Easy Rider”.

A doçura, certa graça e o gosto pela liberdade que tanto marcaram a passagem do clã Fonda por Hollywood não o haviam abandonado. Como pede a família em seu comunicado fúnebre: que se erga um brinde a ele. Feito.

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O ator Peter Fonda em seu papel mais icônico, do motoqueiro Wyatt, em ‘Sem Destino’

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